... pelo simples e indelével prazer da leitura e da escrita!

domingo, 23 de fevereiro de 2014


A SENTINELA

            Desta vez Richard Zimler apresenta como pano de fundo para um policial psicológico o Portugal contemporâneo em que reconhecemos espaços, personalidades, políticas, a sociedade dos nossos dias.

            A personagem principal, um inspetor chefe da PJ, sofre de transtorno de identidade dissociativa. Tem um alter ego que se desenvolveu como forma de proteger, na infância, o irmão mais novo dos abusos do pai.

            Mais uma vez, Zimler brinda-nos com presonagens simplesmente fantásticas e revela um profundo conhecimento das emoções.

NOITE

     Passo a noite reconstruindo aquele momento, reescrevendo as tuas palavras por nascer.

     Sabes que desenhas tempestades com os teus silêncios, fogos de artifícios com as palavras que ainda têm medo de ser?

     Os teus olhos, varandins de onde nos avisto, têm caligrafias ilegíveis, distorcidas. Dança-te nos olhos a minha vontade.

     Transponho a cancela da tua alma, não para entrar no teu mundo, mas para sair de todos os outros.

     Debruço-me no teu sopro e respiro-te.

     Amanheço na tua face.

     Escrever-te é como beijar-te sem lábios…

 

domingo, 16 de fevereiro de 2014


ÁLVARO, EUGÉNIA E ANA

Um livro muito interessante que mostra parte da vida privada de Álvaro Cunhal e da sua família. Fascinante a personalidade deste homem reservado, simples e convicto.

 

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014


PRIMAVERA EM JANEIRO

Diz-se que as pessoas só são interessantes até se descobrir os seus segredos, porque eles são, habitualmente, banais quando vêm à luz do dia. Pois ela contrariava este dito.

16.43. Entrava no café dois minutos antes da hora combinada. Lentamente. Consciente do seu ar de elefante dentro de uma loja de cristais. Pesavam-lhe a idade, a gordura, as rugas, o tempo, os anos de maus tratos, tristezas, indiferenças.

A ele, no entanto, nada lhe pesava. O homem que esperava mantinha um aspeto bastante agradável. Magro, o cabelo ainda pouco grisalho, o andar ágil da juventude.

Sabia-o, porque há cinco anos que o seguia. Desde que à custa de muito tempo, trabalho e dinheiro conseguira reencontrá-lo, telefonava-lhe todas as semanas.

Relutante a princípio, negando a lembrança daquele amor da adolescência, ele acedera a dar-lhe o seu número de telemóvel apenas para evitar o falatório provocado pela insistência dela ao ligar-lhe para a escola.

A muito custo, conseguira que ele aceitasse um encontro, dois anos depois de o ter procurado. Casado e sem qualquer intenção amorosa para com ela, insistia para que parasse de lhe telefonar. Aliás, estivera dez meses sem atender as chamadas dela depois de alguns episódios bastante embaraçosos em que ela lhe deixava livros ou CD no capot do seu carro! Se ele soubesse das diligências que ela fazia para o ver! No início de cada ano letivo passava dias inteiros sentada no muro do rio, a uma distância segura da escola onde ele lecionava, para descobrir o horário dele e assim passar regularmente para o ver. Descobrira, também, onde ele vivia e, um dia, metera-se numa camioneta para passar à sua porta.

Sabia perfeitamente que ele só continuava a conversar com ela por pena. Feia, mal vestida, sem escolaridade, até a si o cheiro do próprio corpo enjoava. Desempregada, um ex marido agressivo, duas filhas longe e uma solidão pesada. Nada tinha a ver com aquele homem que seguira outro caminho. Um casamento feliz, uma profissão de sucesso, bom aspeto físico. Que lhe importava? Continuaria a pensar nele, a telefonar-lhe, a esperar por ele. Não tinha nenhuma outra alegria na vida. Orgulho? Vergonha? Que vantagem lhe trariam? Prescindia desses valores em favor da felicidade que aquela meia hora com ele lhe proporcionaria.

A porta do café abriu-se e foi primavera em janeiro.

domingo, 2 de fevereiro de 2014


CRÓNICA DO REI PASMADO

É uma narrativa bem humorada e mordaz, repleta de críticas à moral e bons costumes da Igreja e da sociedade em geral, profundamente influenciada pela Fé.

 Transforma-se uma questão trivial - o desejo de um marido de ver a sua mulher nua (depois de ter passado a noite com uma cortesã) -  num episódio extraordinário, pelo ‘simples’ facto de o marido ser o rei Filipe IV de Espanha, II de Portugal, e a esposa a rainha.

Numa Espanha do século XVII, dominada pela Inquisição, numa época em que o formalismo da corte exigia um requerimento -  formal,  justificativo e humilhante - de cada vez que o soberano pretendesse passar a noite com a rainha, era natural que o clero fosse em defesa do pudor, da reserva e dos bons costumes, atribuindo os hipotéticos fracassos da nação à vingança divina pelos pecados carnais do rei.

No entanto, apesar das medidas tomadas para evitar que os reis se encontrem a sós, um jesuíta português, uma cortesã, uma madre superiora de um convento e um conde galego ajudarão a levar a cabo um plano que ludibrie a Igreja.