HISTÓRIA DE UM CERTO ENGANO
Era uma vez
um engano. Bem, a verdade é que nem sempre fora isso. Tempos houve em que o
engano tinha sido uma certeza. … Não se pode acusar o pobre de ter sido um
engano propositado. Pois se não tinha consciência de tal!
Dera
por si, certa tarde, devagarinho, assim como quem acorda de um coma sem memória
de quem é. Aos poucos, foi-se reconhecendo e afirmando como uma certeza. A sua
existência como tal tornou-se, até, um finca pé consigo próprio. Era uma
certeza. Estava ali. Pronto!
Mas,
como a realidade era, de facto, diferente da consciência que tinha de si, a
pouco e pouco, foi sendo tomado pela dúvida. O tempo, esse ora aliado
consolidando certezas ora inimigo instilando dúvidas, foi minando a certeza da
sua existência.
Como
era possível, pensava o engano, ter-se enganado daquela forma quanto à sua
certeza? E agora? Como desfazer claramente a certeza e assumir-se como engano?
Não lhe agradava causar a impressão de ser um engano premeditado. Precisava de
se desfazer com elegância. O melhor seria sair da certeza em pezinhos de lã,
assim como quem não quer a coisa. Deixar no ar a certeza-dúvida para adiar a
possível acusação de engano ponderado e previsto. Afinal, ele próprio se tinha
enganado!
Assim,
arregaçando mangas e paciência, foi-se desvanecendo como certeza, dando,
lentamente, lugar ao engano que sempre tinha sido.