UM MAR DE MEMÓRIA
Sentada
na esplanada do café, como habitualmente nos fins das tardes de verão, o meu
coração sobressaltou-se ao som daquela voz. Dei por mim, mais uma vez, a
desatar o nó da dor da saudade.
As mulheres
apaixonam-se precisamente pelos homens que não lhes estão destinados. Ele não
me estava destinado, mas eu insisti em apaixonar-me por ele. A minha
persistência não o iliba de responsabilidade, mas sim de culpa. Ninguém é
culpado pelos sentimentos que instiga no outro. Mas, é-se responsável por tal,
se o fazemos propositadamente.
As relações
mal definidas são quase indestrutíveis. Deixei que, em vez de falarmos de amor,
falássemos sobre o amor, enganando com a ajuda de palavras uma inquietação que
deveríamos ter resolvido com atos.
Sempre
desconfiada e relutante, soube, desde o início, que seria ele a conduzir o
jogo. Como um caçador experiente, rondou-me, cercou-me. Eu apenas um despojo,
objeto da sua pertença, escolhido durante o saque entre duas batalhas.
Passávamos
longas horas a conversar. Ora silêncios ora fluxos de palavras descontroladas.
Em pouco tempo, a conversa enlanguescia ou transformava-se em injúrias. Agradava-me
aquela espécie de esgrima interessante em que o meu rosto ostentava uma máscara
e o dele simulava apresentar-se nu. Ambos perpetuamente desconfiados.
Estava condenada
a perder, desde o início. Tornei-me incapaz de abandonar aquele álcool com que
não queria, aliás, deixar-me embriagar. A minha atenção estava toda inteira
concentrada nele, a sua dividida – família, amigos, trabalho, outras (várias)
mulheres.
Como um
frémito, um momento aflorou-me aquele recanto da memória. Amei-o, também,
naquele preciso momento: numa simbiose perfeita, o toque e o olhar num movimento
de desafio mais doce do que todas as carícias. Ao contacto da sua pele, todo o
sangue dentro das minhas veias se desfez em mel.
Eu não
duvidava de que pagaria penosamente pela resignação de cada minuto de espera,
que a minha sensatez rapidamente me cobraria tal erro. Teve para comigo
insolências e ternuras alternadas, apenas com o objetivo de se comprazer em
fazer-me amar e sofrer mais.
Mas o
melhor mel fermenta com o tempo. O seu procedimento para comigo tornou-se cada
vez menos censurável, mas passei a puni-lo, talvez fora de tempo.
Exasperei-me,
cansada da falta de inteligência dele – não me amar?! -, cansei-me de quimeras,
dele e de nós. Perdi-me e perdi-o.
Nunca o
esqueci e paguei os meus erros com a sua ausência.
Ele
conquistou-me, mas nunca o tive.