ENTRE
TEMPOS
Chovia uma
chuva fina e gelada e fazia um frio de lâmina de faca. A curtos espaços de
tempo, repentino, o manto de névoa caía para, dali a poucos minutos, se
desvanecer numa estranha limpidez.
À espera do
futuro, olhava o longe, pela janela. Deixava os olhos passearem pelos
castanheiros que se erguiam altos e esguios, na sua nudez perturbante e, na
distância, deixava-os vaguear por montes e vales, casarios e descampados.
Continuava a conversar contigo nessas horas eternas em que conversávamos, as
horas boas da minha vida.
Naquele tempo,
vivia nas nuvens. Ouvia-te e pequenos ecos de luz iluminavam-me os olhos. Entre
nós cada palavra tinha uma sombra. Tudo era intensidade premente.
Naquele tempo,
o imaginado voo das tuas mãos adoçava o tempo.
Naquele tempo,
ora trovejava em mim um mar revolto de desassossego ora deslizava um rio manso
de tranquilidade.
Agora, a vida
conquistou-nos para a normalidade, cavando um fosso entre nós. Como sereia
chamando do abismo, desenhou-nos caminhos diferentes. Náufragos do mesmo barco,
rumámos direções diferentes. Perdemo-nos.
Agora,
chove-me nos olhos a tua ausência, aguadilha-se na boca este vazio.
Agora, a minha
saudade tem a cor da tua voz, o cheiro do teu riso, a macieza da tua alma.
Agora, a
saudade corre por dentro da distância entre nós.