Vagueei
pelo negrume da casa durante décadas de minutos intermináveis. Finalmente
deitei o meu corpo. O cansaço da vigília adormeceu-me e levei-te nos meus
sonhos. Amaste-me como sempre e acordaste-me o sono ainda o dia não tinha
nascido. Chovia copiosamente e o frio da rua trespassava paredes, cobertores,
lençóis. Decidi ceder. Naquela manhã embriagar-me-ia de ti. Nunca tinha sido
dependente de álcool, drogas, tabaco nem sequer de café. Mas conhecia bem a
necessidade imperiosa que caracteriza um vício.
Levantei-me como um autómato, tomei um duche rápido, vesti uma roupa quente e, poucos minutos depois, o carro devorava velozmente as poucas dezenas de quilómetros que nos separavam. A chuva não me permitia vislumbrar mais que alguns metros, mas conhecia o caminho de cor. Amanheci na cidade, ainda deserta àquela hora, e estacionei no lugar do costume, em frente à porta por onde entravas todos os dias para trabalhar, o carro discretamente encoberto por uma fiada de árvores tão despidas pelo inverno quanto a minha alma pelo teu desamor.
Porque o amor nunca morre. Apenas toma novos caminhos. O da saudade, o da amargura, o do ressentimento, o da raiva, o da deceção … O meu enveredou por este atalho, sem saída, do vício de ti. Venho ver-te muitas vezes porque não consigo resistir à ideia de existires num espaço atingível e não te ter. Amo-te e odeio-te nos três escassos minutos em que viras a esquina e percorres a rua até entrares no edifício. Insulto-te, digo-te todas as palavras, ensaiadas previamente, que nunca tive oportunidade de te dizer. Mas, sobretudo, suplico-te que nunca me esqueças.
Chegaste. Ouve-me!
Sem comentários:
Enviar um comentário