... pelo simples e indelével prazer da leitura e da escrita!

domingo, 6 de novembro de 2011

CARTA A UM MORIBUNDO


           Vais morrer.
Ando a preparar-me para esse momento há vários meses. É uma morte anunciada, mas sem data marcada.
Preparo-me apenas para o momento da tua morte. Faço um luto antecipado. Choro-te agora. O sofrimento posterior vivê-lo-ei intimamente, ninguém verá a minha dor. Penso em como serão os natais, as férias, os fins de semana sem ti. Penso, também, em todas as horas do dia em que te recordarei, nas lembranças retomadas nos lugares que frequentámos juntos. E nos olhares, nos gestos, nas palavras, nos silêncios …
Mas o que me preocupa, em primeiro lugar, é o momento da tua morte. Sinto os pensamentos encharcados de dúvidas e incertezas. Saberei, com antecedência, quando acontecerá? Estarei presente? Chorarei? Chorar preocupa-me. Faço-o raramente e sei que, se começar, dificilmente conseguirei controlar-me. Não, os meus olhos começaram já a guardar as gotas de chuva para as chorarem depois da tua morte. E tu, chorarás? Dir-me-ás algumas palavras de despedida? Ou partirás sem alarde, com a frieza de quem traçou, serenamente, o novo caminho? Tenho a certeza de que pouco falaremos. Haveria tanto para dizer! Quantas palavras choradas, quantas lembranças revividas! Ambos sabemos que pouco falaremos. Guardaremos as palavras que deram corpo a todas as coisas que sonhámos. Nem torrentes de lágrimas nem tempestades de suspiros.

*

Vais morrer. No momento em que me deixares. Naquele preciso momento em que dirás as palavras que te adivinho: “ Já não te quero como antes. Ficamos por aqui.”.
Depois, quando a calma apaziguadora chegar e eu me convencer que nem um fantasma do teu passado serei, atada aos fios invisíveis de que se tece a saudade, guardarei as nossas memórias desfeitas numa caixa cheia de pedaços de pouco e conjurarei as forças necessárias para a não abrir.
            Morro contigo.

1 comentário:

  1. Ana
    Pode-se morrer, sim, de muitas maneiras! E a pior morte de todos, afinal, até pode não ser a morte física! Entretanto, qualquer que seja a situação, o mais importante, na minha modesta opinião, é viver cada momento como se fosse o último: na verdade, quem nos garante que haverá o momento seguinte?!...
    Beijinho e bom Domingo para si!
    Quicas

    ResponderEliminar