HOSPITAL DAS BONECAS
E
de repente aquele cheiro. Cheiro de boneca antiga. Lembrei-me da minha boneca
Cindy (logo eu que nunca fui de brincar com bonecas!).
Esta foi,
com certeza, a avó da Barbie. Ao contrário das bonecas da época, a Cindy era
magérrima. Alta, esguia, de cabelos loiros, compridos, olhos azuis e a pele de
um bege rosado. A minha tinha, também, já, um considerável guarda roupa
confecionado pela minha mãe (santa paciência de mãe!). Destacava-se um
elegantíssimo vestido de organdi vermelho, corpo justo, sem mangas (mas,
também, sem decote!), com saia cortada em três farfalhudos folhos.
Um
dia, a Cindy perdeu a cabeça. Literalmente. (Apetecia-me comentar “Como
acontece a qualquer loira que se preze.”, mas sou amiga de loiras tão
interessantes e de morenas tão ocas que deixo espaço para tal comentário para
os dedos de um qualquer intelectual de vão de escada). Prefiro não explicar
como tal tragédia aconteceu, não vá um qualquer psicólogo, vizinho de vão de
escada do pseudointelectual, aplicar-me um rótulo de homicida, psicopata ou
outro qualquer epíteto traumatizante. De realçar, apenas, o facto de nunca mais
ninguém me ter oferecido uma boneca. Lá levámos, então, a pobre Cindy ao
Hospital das Bonecas.
Não sei se
era esse o nome escrito na entrada do lugar (eu ainda não sabia ler), mas, se
não era, devia ser. Era um excelente nome. O prédio antigo ficava numa
movimentada, mas estreita rua da Baixa. O Hospital das Bonecas ocupava uma loja
relativamente espaçosa num r/c, abaixo do nível da rua. Era um lugar escuro
(para ajudar na recuperação das bonecas, pensava eu) e deveria parecer
fantasmagórico aos olhos das outras crianças (aos meus não, nunca fui medrosa),
com as prateleiras que forravam as três paredes repletas de bonecas nuas.
Cheirava a bonecas nas quatro ruas que ladeavam aquela. Hoje cheira a carteiras
de senhora, colares, postais (como se alguém ainda escrevesse postais!), roupas
…
Se as bonecas ainda fossem ao
Hospital, nem elas já cheirariam a bonecas.
Olá, Ana!
ResponderEliminarUma original forma de contar uma história bem contada, em que o essencial fica por contar...Sem sabermos nós o que terá passado pela cabeça da loira Cindy, que levou a sua dona a fazer-lhe tamanho mal- ainda que não saibamos qual...
Abraço; bom fim de semana.
Vitor