UM PAI ENTRE FILHAS
A manhã mal
ía a meio, quando o pai irrompeu pela sala, com cara de muito poucos amigos,
perguntando:
- Onde é
que está a Marina?
A segunda
filha, habituada aos disparates que ela própria e a irmã mais velha costumavam
fazer desde pequenas e às fúrias do pai, sabia bem como amolecer-lhe o coração.
- Não sei,
paizinho, a Marininha não está em casa, deve ter ido ao mercado – respondeu,
com o ar mais inocente que conseguiu compor.
Mas, desta
vez, o pai não parecia disposto a deixar-se divertir com os trejeitos
claramente forçados daquela filha. Criar quatro raparigas não estava a ser
tarefa fácil, apesar do que era pressuposto na primeira metade do século XX. É
que as que lhe tinham calhado em sorte pareciam arraçadas do Diabo! Nem a mais
nova, nascida dezassete anos depois da primeira – fora da época!, como dizia a
mulher -, parecia augurar qualquer facilidade.
Mesmo
assim, a mais velha passara das marcas! Uma menina de família a namorar, à
noite, à porta da rua! Pior: dentro do átrio da entrada! Num vão de escadas! A
cara caíra-lhe de vergonha quando um vizinho lhe contara. Mas o patife do Pipi
ia ver-se com ele! Pipi era o diminutivo meio carinhoso meio trocista colocado
ao desafortunado pela irmã mais nova, resultado de alguns subornos, tais como o
cestinho de verga com que a presenteara e o dinheiro que lhe dava para ela ir
comprar rebuçados, enquanto namorava “tranquilamente” a irmã mais velha.
Ah, mas a
filha, essa ía aprender o que acontecia às meninas que desobedeciam a ordens
expressas do pai: “Não namorar sozinha!”, ”Não namorar à noite!”. Deveria ter
imposto uma única e simples regra: ”Não namorar!”. Diacho da rapariga! A quem
teria saído assim namoradeira? À mãe não, com certeza. Devia era fechar as
quatro num convento. Enfim, era no que dava viver numa casa só de mulheres!
Fechado no
sótão, absorto nestes pensamentos, ouviu o som da cancela da porta a fechar-se.
Levantou-se, respirou fundo e … perdeu os preciosos segundos que seriam
responsáveis pela vergonha que lhe sucederia.
Quando
chegou à sala, voltou a encontrar a segunda filha novamente sozinha.
- Onde é
que se meteu a tua irmã, Judite?
Perante o
ar ameaçador do pai e o cinto que ele ostentava na mão, a rapariga,
aterrorizada, deixou-se trair pelo olhar de aflição que dirigiu à cama dos pais
que se vislumbrava através da porta entreaberta.
Ao ouvir o
vozeirão atroador do pai, acorriam, já, à sala, a mãe e as outras duas irmãs
mais novas.
De cócoras,
junto à cama debaixo da qual a filha mais velha se escondera, o pai raspava o
cinto no chão, tentando puxá-la para fora.
- Manuel,
nãoooooooo!!! – ainda lhe gritou a mulher.
Mas, já o
bacio, cheio de uma noite longa, se entornava em cima do pobre homem que, segundo
reza a História, era asseadíssimo!
Perante a
desgraça, divididas entre a aflição, a comiseração ou o riso, as cinco não
resistiram ao último e as gargalhadas rebentaram pelo quarto, espalhando-se em
ondas de afeto!
Quanto à
reação do pai, nunca nada foi comentado na família.
Do “inocente”
Pipi não mais se soube (embora lá em casa houvesse uma espada e um revólver!).
Ao longo de
vários anos, vários outros namorados terão sobrevivido à vivacidade das quatro
raparigas, à vigilância apertada da mãe e às fúrias de um pai que, certamente, terá
sentido um imenso alívio ao casar a última filha!
(Sempre saudades destas tias!)
Olá, Ana!
ResponderEliminarCoitado do senhor, o que ele deve ter passado enquanto não viu as filhas casadas.Com Romeus como esse tal Pipi a rondar a porta, sabidão, com a escola toda.Difícil ser pai naqueles tempos, sempre a pensar no pior, não fosse uma "desgraça" acontecer à filha, e lá ter ele que ficar com ela em casa...
Como os tempos mudaram...felizmente digo eu, ainda que às vezes "demais", ou talvez não - não sei...
Viagem ao passado bem contada.
Abraço, e bom fim de semana.
Vitor