HISTÓRIA DE UM PESCADOR DE ÁGUA DOCE E DE CERTOS PEIXES (MAIS E MENOS) INTELIGENTES
Chegou às
cinco da tarde. Hora pouco habitual para ir à pesca, mas para ele, a melhor.
Depois do trabalho, apetecia-lhe relaxar, completamente dedicado ao que se
propunha fazer. Era um traço da sua personalidade: só se dedicava a algo quando
tinha o espírito plenamente disponível. Muito
mais do que um desporto, para ele a pesca era uma arte. O seu prazer começava
com a preparação mental. Ia programando o melhor local, escolhia, mentalmente,
o melhor isco, o anzol mais apropriado e, claro, o mais importante, selecionava
meia dúzia de peixes passíveis de serem pescados. Toda esta preparação mental
contribuía para exacerbar a antecipação do prazer da conquista. (Conquista?
Pesca, pesca, claro! Que engano, o meu!)
E
cá temos o nosso pescador de água doce (de água doce, sim, que a pesca em alto
mar era coisa para lhe dar trabalho a mais para satisfação intensa, mas breve!)
refastelado na sua confortável cadeira, de cana na mão e sorriso plácido de
predador certo da eficácia da sua mão.
O
isco foi lançado aos vinte e cinco peixes que por ali nadavam. Dez
aproximaram-se. Escolheu cinco alvos. Esmerou-se na ostentação do isco. Um dos
peixes, mais afoito, aproximou-se, perigosamente. Sorriu com serenidade. O
peixe rodeou o isco, deu às barbatanas, praticamente pestanejou, qual diva sensualmente
ingénua! Num repente, abocanhou o isco e … afastou-se rapidamente! Ao contrário
do que se poderia pensar, o nosso, por vezes incauto, pescador, reconhecendo a
inteligência do adversário, olhou-o enquanto se afastava com uma sensação de
pasmo, mas também de respeito por tal adversário.
E
já um dos cinco peixes que marcara anteriormente como vítima lhe chamava a
atenção. Apesar de se destacar um pouco
do cardume, via-se que era um daqueles peixes que mordem o isco e se deixam
apanhar com alguma facilidade. Foi-lhe acenando com o isco, tornando-o
atrativo, … até que a vítima se rendeu e se deixou prender. O pescador de água
doce foi recolhendo a linha com muito cuidado (não fosse o peixe conseguir
perceber como se desembaraçar do anzol!) e, pouco tempo depois, admirava o
exemplar que tinha na mão. Sabia que não lhe restava muito tempo, nem tal lhe
interessava. Conhecia o tempo exato durante o qual poderia usufruir do peixe,
sem o matar. Perscrutou-lhe cada escama, acariciou-lhe a pele, melífluo, e, naquilo
que considerou um gesto magnânimo, atirou-o, de novo, ao rio!
Não
o queria verdadeiramente. Nem àquele nem a nenhum dos outros que por ali
pescava. O que o entusiasmava era o prazer do jogo, a paciência e o tempo que
investia na preparação, a luta que, de quando em vez, um ou outro peixe lhe dava,
a conquista e, finalmente, a magnanimidade da devolução da criatura ao seu
estado anterior.
Com
tranquilidade, arrumou todas as suas coisas no carro e sentou-se ao volante.
Suspirou, exibindo um sorriso plácido de verdadeiro regozijo por ser exímio
naquela arte e partiu.
Do que acontecia aos seres cujas vidas eram tocadas
pelo pescador de água doce não reza a História.
Olá, Ana!
ResponderEliminarMuito estranho, este pescador,cujo prazer terminava no momento em que tinha a presa na mão.Convencido e vaidoso dos seus talentos,e que certamente não pescaria no rio ou no mar, digo eu...
Está muito bem escondida a metáfora,Ana, que só deixa a barbatana de fora...e também muito bem escrita: Só a descobri na segunda vez que lancei o anzol...
Que tenha uma Feliz Páscoa, com tudo de bom!
Um abraço
Vitor