Esta noite
vieste afagar-me.
Esperei-te
entre os lençóis de linho bordados a Richelieu. Espalhei alfazema pelo quarto,
apaguei a luz e aguardei a tua chegada. Sabia que virias esta noite. A saudade,
quando arrastada no tempo, com intensidade, pode tornar-se palpável e
matar-nos. Esta noite a saudade, esta solidão acompanhada, fez parar o tempo
para que viesses afagar-me. Esperei-te no negrume do silêncio noturno.
Timidamente,
um ténue reflexo despontou da claridade evanescente e azulada da lua – o azul
sempre fora a tua cor preferida. Tratava-se de um simples feixe pestanejante de
luz, um débil remanso de claridade que desceu, serpenteando, pelo mar de prata
que conseguia vislumbrar pela janela. Sabendo da tua obstinação em relação a
mim, fechei os olhos. Então, uma lança de luz entrou no meu quarto, fazendo
sombras reluzirem na penumbra. Multiplicaste-te em inúmeros raios de luar,
criando um universo de luz e sombras, rodeaste a minha cama de cortinas
nebulosas de claridade. Senti os teus dedos cálidos de luar, silhuetas em
contraluz, mordendo-me a pele, alvoraçando-me o sangue, tateando-me a alma.
Vesti-me de luar e, no quarto banhado de prata, fomos mais do que o universo.
Provei o teu corpo num sonho, provei o teu gosto em silêncio como quem bebe o
luar, num tempo preguiçoso que a nossa memória, casa desta saudade angustiante,
prolongou. No céu, qual aranha diligente, a lua tecera uma tapeçaria de
estrelas, numa salva de luz indizível. Todas as palavras não chegam para
descrever o amor que correu à solta pelo quarto.
Esta noite
fizeste-te luar e vieste afagar-me.
Cedi ao
sono e sonhei-te assim.
Nota: O prazer que me deu “roubar” o título deste texto!
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