A
chuva miudinha que caía desde a manhã tornara o chão de folhas e caruma
escorregadio e perigoso. O caminho era pouco mais do que um trilho, no meio do
pinhal, que ligava a vila às várias aldeolas dos arredores. Por isso o sargento
Horta e o soldado Dionísio avançavam com cuidado. As botas escorregavam
constantemente e ambos sabiam o quanto lhes custaria uma perna partida, ali, no
meio do nada. Dirigiam-se a casa, depois de um longo dia de trabalho, pleno das
quezílias habituais na época: um homem que assassinara o cunhado por causa da
herança de uma torneira de uma pipa de vinho e cujos conterrâneos pretendiam
linchar, uma mulher que atirara o filho recem nascido ao ribeiro, porque o
marido partira há dois anos para África e outras do género. A noite não tardaria
e os dois homens queriam chegar depressa a casa.
De
repente, o soldado Dionísio, um rapazote de 17 anos, estacou, de olhos fixos no
chão, alguns metros à sua frente. Vendo que o companheiro não avançava, o
sargento perguntou-lhe:
- Então,
homem, o que é que se passa?
- O meu
sargento não vê? – retorquiu o rapaz.
- Não vejo
o quê? – indagou o mais velho.
- O caixão,
meu sargento! O caixão de pinho com uma cruz gravada no cimo! Uma cruz de
pontas arredondadas! – balbuciou o rapaz, de olhos esbugalhados.
O sargento
percebeu, pelo ar aterrado do rapaz, que ele via mesmo um caixão, no caminho à
sua frente, onde ele próprio nada via. Para tranquilizar o companheiro, avançou
por onde o suposto caixão estaria, sem nenhum problema.
- Vá, dá a
volta ao caixão e vamos embora, porque daqui a pouco anoitece – sugeriu o
sargento, ainda meio divertido com o medo do rapaz.
Cada vez
mais aterrado, o soldado engoliu em seco e avançou uns passos, esperançoso de,
tal como o seu superior, passar por aquela estranha visão.
O som de
uma bota a bater na madeira fez eriçar todos os pelos do corpo do sargento.
O rapaz
levantou-se da queda e, sem olhar para trás, correu pelo pinhal fora, sem que o
sargento, depois de se recompor do choque que o som lhe havia causado, o conseguisse
deter ou sequer alcançar.
Na manhã
seguinte, o sargento Horta entrou no quartel da GNR, como habitualmente, de ar
sério e compenetrado. Estranhou, no entanto, o ar cabisbaixo do soldado Mateus
e do taberneiro da praça que já ali se encontrava.
- O que é
que se passa? Morreu alguém? – perguntou, tentando aliviar o ambiente de
consternação que pairava no ar.
- Então o
meu sargento ainda não sabe? Morreu o Dionísio ! Olhe, vai ali mesmo a passar o
caixão que há de levar o pobre – respondeu o soldado Mateus.
O sargento
Horta olhou pela janela e o que viu deixou-o gelado: um caixão de pinho com uma
cruz de pontas arredondadas gravada no cimo!
Incrível e assustador, embora eu tenha uma certa dificuldade em acreditar nestas "coisas", mas...
ResponderEliminarBeijo
Ná
Ana C., boa noite!
ResponderEliminarUm conto realmente assustador, chega até a arrepiar. Não sei se este conto deriva de alguma história que ouviu, mas posso no entanto garantir que já ouvi algumas parecidas.
Beijinho,
Ana Martins
É história de família, mas, como se sabe, ... quem conta um conto ...! : )
EliminarTambém já ouvi muitas outras parecidas, Ana, mas, como a Ná, tenho uma certa dificuldade em acreditar. : )
Olá,Ana!
ResponderEliminarFigas, canhoto; safa...!
Muito bem contada esta história, em que se não acredita...mas que ainda assim nos leva a nela pensar durante algum tempo; com pelo menos um sorriso.
E já percebi que cultiva um certo gosto por este tipo de histórias de tom escuro...
Um abraço
Vitor
Cultivo?? Nem tinha reparado! Preciso mesmo de rever os meus gostos. : )
EliminarOlá, Ana!
ResponderEliminarO tom com que o disse era de brincadeira, sem qualquer outro sentido. Mas aqui, sem som, as palavras nem sempre dizem o que se quer dizer ...Se foi esse o caso, as minhas desculpas.
Bom fim de semana.
Vitor