Adriana - Pior que Perder
... pelo simples e indelével prazer da leitura e da escrita!
sexta-feira, 30 de novembro de 2012
A estopa ao pé do lume …
O
rumor das vozes que se afastavam ainda era percetível quando, a poucos metros dali,
começou a ouvir-se um crepitar ligeiro.
A estopa esticou um pouco uma ponta do
seu tecido e, espreitando por entre os ramos secos do arbusto, vislumbrou umas
fagulhas raras. Curiosa, arrastou-se para fora do arvorezita para observar a
ténue luz.
Também esta, ainda em fogo lento, se
apercebeu da discreta presença do tecido e pareceu ganhar mais vida. Alimentava-se
de uns poucos ramos ressequidos que por ali jaziam e, à vista da estopa,
espevitou-se mais. Sempre era uma novidade, um entretenimento.
Ela, atraída pela luz e pelo som do ainda
pequeno lume, aproximou-se mais um pouco. Cuidadosamente, claro. Sabia bem o previsível
triste fim que a esperava se se acercasse demasiado.
A aproximação do tecido agitou o lume
que engrandeceu, crepitando, agora, em fogo vivo, com chamas altas e fortes.
Saberia a estopa o perigo que a esperava ao brincar com o fogo? Não pretendia
fazer-lhe mal, mas o pedaço de tecido não arrepiava caminho e a tentação de o usar
como combustível era imensa. O perigo era mútuo, já que também ele, sem outra
fonte que o alimentasse, se consumiria no tecido. Por que não voltava para
trás?
Atraída pelo calor do lume, a estopa continuava
a aproximar-se. Tinha a certeza de saber onde parar para não se queimar. Era um
paninho com lume no olho: esperto, vivo, perspicaz.
Já sem controlo, o braseiro ardia,
agora, num crescendo de vaidade, atraindo para si a confiante e orgulhosa
estopa que presumia conseguir escapar quando quisesse.
A um golpe de fogo um do outro, ambos
testavam os seus limites, desafiando-se ...
(Gosto
de narrativas abertas … permitem tantas conclusões!)Novo
Tentativa de
phis
domingo, 25 de novembro de 2012
HISTÓRIA DO CERCO DE LISBOA
Raimundo
Silva, um revisor de livros, na casa dos cinquenta anos, com uma vida bastante
vazia, marcada pelo rigor, pelo cinzentismo, por hábitos rígidos, introduz,
voluntariamente, uma palavra nova nas provas de um tratado de História
intitulado “História do Cerco de Lisboa”. Assim, os cruzados não teriam ajudado os portugueses a
conquistar Lisboa. Paralelamente, o revisor, que já nada mais esperava da vida,
envolve-se, sentimentalmente, com a editora Maria Sara que o incentiva a
reescrever a História. Num extraordinário jogo de palavras, Saramago constrói
alguns momentos de uma sedução inteligente, mesclando os desejos da alma e do
corpo.
“
[…] Posso dizer-lhe que a amo, Não, diga só que gosta de mim, Já o disse, Então
guarde o resto para o dia em que for verdade, se esse dia chegar, Chegará, Não
juremos sobre o futuro, esperemo-lo para ver se ele nos reconhece […] ”
“ […] Ninguém
deveria poder dar menos do que deu alguma vez, não se dão rosas hoje para dar
um deserto amanhã, Não haverá deserto, É só uma promessa, não o sabemos […] “
JOSÉ
SARAMAGO nasceu a 16 de novembro de 1922, na Azinhaga, Golegã, e morreu em 18
de junho de 2010, nas Canárias. Recebeu o prémio Camões, em 1995, e o prémio
Nobel da Literatura, em 1998. Foi escritor, argumentista, teatrólogo, ensaísta,
jornalista, dramaturgo, contista, romancista e poeta.
Escreveu uma
obra vastíssima.
segunda-feira, 19 de novembro de 2012
ENTRE O CÉU E O INFERNO
Sentada na nuvem desço os olhos para
os caminhos que se cruzam, entrelaçam. As cores do meu verão desenham caminhos,
enquanto desmaia setembro. Ouço a frescura dos mercados, cheiro o verde da
folhagem, acaricia-me o vento. Pinto os caminhos com as cores das palavras,
atiro-lhes um punhado de doces saudades vagabundas. Suaves veredas serpenteiam
por vales, ladeadas de verde e brilho. Correm paralelas, juntas,
entrecruzam-se, soltam-se aqui e ali para, pouco depois, se voltarem a
encontrar. Sonho passeios reais, correrias, risos e afagos.
A plenitude do momento
desequilibra-me. A queda parece interminável.
Sentada na rocha negra, ergo os olhos
para os caminhos de lume, sombras e incertezas. As bocas negras dos vulcões
lançam a densidade que envolve os trilhos rasgados a fogo na terra. O vazio
pesa-me mundos sobre os ombros. Por entre árvores calcinadas, imagens disformes
espelham-se na lava que vem envolver-me. Mergulho nas chamas, envolta na
memória da vida.
domingo, 18 de novembro de 2012
Há mulheres que trazem o mar nos olhos
Não pela cor
Mas pela vastidão da alma
E trazem a poesia nos dedos e nos sorrisos
Ficam para além do tempo
Como se a maré nunca as levasse
Da praia onde foram felizes
Há mulheres que trazem o mar nos olhos
Pela grandeza da imensidão da alma
Pelo infinito modo como abarcam as coisas e os homens ...
Há mulheres que são maré em noites de tardes
e calma
Sophia de Mello Breyner
Não pela cor
Mas pela vastidão da alma
E trazem a poesia nos dedos e nos sorrisos
Ficam para além do tempo
Como se a maré nunca as levasse
Da praia onde foram felizes
Há mulheres que trazem o mar nos olhos
Pela grandeza da imensidão da alma
Pelo infinito modo como abarcam as coisas e os homens ...
Há mulheres que são maré em noites de tardes
e calma
Sophia de Mello Breyner
sexta-feira, 16 de novembro de 2012
ALMA ALADA
Hoje nasci
pássaro. Colorido, vivo, brilhante de vida. Enchi-me de mim e parti com
destino.
Logo de
manhã, timidamente e sem pressa, a primavera pincelava a paisagem com as suas
cores preferidas, um rubor de sol nascente. No ar, uma brisa morna envolvia o
azul líquido e silencioso que beijava a praia. Recordei-a fresca, cheia,
gritante, nos dias em que a luz cortante feria os olhos, cheirava a sol e a mar.
Reconheci cada seixo, cada rochedo, cada amor.
Chamou-me o
azul e deixei-me ir na luz viva e bem disposta, rumo à casa. A casa. A
primavera soprava com tanta força que era impossível não sentir a sua presença.
A alegria subiu e alargou-se como um nevoeiro, enchendo-me a alma, a sensação,
a ideia. A casa era tão fresca que se ouvia o branco. Reconheci traço, cada
ruga, cada sinal. E o som daquelos dedos a sapatear em cima da mesa, arranhando
o cérebro à superfície e fazendo barulho onde nem pensávamos que tínhamos
ouvidos.
O sol
arrastava em liberdade a sua cauda fulgurante quando pousei perto de ti. Pensei
que rever-te seria como quando nos dias de chuva intensa os horizontes se
fecham ao fim da rua. Mas, na quietude da tarde quente, recordei cada riso teu,
cada carícia, cada olhar.
O dia
morria quando as minhas asas se fecharam. Procurei-me em quem fui, percorri
passados. A viagem demorou o tamanho da minha saudade.
Hoje nasci
pássaro. Amanhã nascerei raíz bem presa à terra, de novo.
quarta-feira, 14 de novembro de 2012
Silêncio
Arde-me este
silêncio
Das
conversas que tenho contigoSem ti.
Silêncio de
mãos sôfregas, vadias, vazias …
Enrolo-me no
cobertor da saudade
E, num
sopro,
Sonho-te
assim.
quarta-feira, 7 de novembro de 2012
A minha homenagem a quem se despediu da minha mãe homenageando-a(nos) desta forma bonita ...
3/11/12/
SORRISO
Mais importante que o poder dos versos,
Que as métricas e as rimas infinitas,
Que as
Leis da Vida, sérias, esquisitas
Ou a
existência doutros Universos;
Que os
filósofos, loucos, controversos,
Que os
amigos-amantes eremitas,
Que as
brandas tradições cosmopolitas
Ou os
ditos jocosos e dispersos;
Que a Lua, o Sol, o Vento e os Sete Mares,
Que o aperto de mão dos nossos pares
Ou a voz – liberdade do improviso;
Que
teres chegado aos Céus e veres a Cristo…
– Mais importante, pois, que tudo isto,
Foi teres ‘sculpido em Gente o teu sorriso!
Com um (e)terno beijo de
saudade,
3/11/12/
Paulo
Ilharco
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