ALMA ALADA
Hoje nasci
pássaro. Colorido, vivo, brilhante de vida. Enchi-me de mim e parti com
destino.
Logo de
manhã, timidamente e sem pressa, a primavera pincelava a paisagem com as suas
cores preferidas, um rubor de sol nascente. No ar, uma brisa morna envolvia o
azul líquido e silencioso que beijava a praia. Recordei-a fresca, cheia,
gritante, nos dias em que a luz cortante feria os olhos, cheirava a sol e a mar.
Reconheci cada seixo, cada rochedo, cada amor.
Chamou-me o
azul e deixei-me ir na luz viva e bem disposta, rumo à casa. A casa. A
primavera soprava com tanta força que era impossível não sentir a sua presença.
A alegria subiu e alargou-se como um nevoeiro, enchendo-me a alma, a sensação,
a ideia. A casa era tão fresca que se ouvia o branco. Reconheci traço, cada
ruga, cada sinal. E o som daquelos dedos a sapatear em cima da mesa, arranhando
o cérebro à superfície e fazendo barulho onde nem pensávamos que tínhamos
ouvidos.
O sol
arrastava em liberdade a sua cauda fulgurante quando pousei perto de ti. Pensei
que rever-te seria como quando nos dias de chuva intensa os horizontes se
fecham ao fim da rua. Mas, na quietude da tarde quente, recordei cada riso teu,
cada carícia, cada olhar.
O dia
morria quando as minhas asas se fecharam. Procurei-me em quem fui, percorri
passados. A viagem demorou o tamanho da minha saudade.
Hoje nasci
pássaro. Amanhã nascerei raíz bem presa à terra, de novo.
E como deve ser bom voar.
ResponderEliminarSe nasceres raiz de feijoeiro, voltarás a voar.
Olá, Ana!
ResponderEliminarLindamente descrita esta curta viagem ao passado - qual romaria da saudade... Assim como quem, a pedido, à alma decidisse fazer a vontade e a levasse a visitar o seu lugar de eleição - ainda que só por um dia.Há pedidos a que se não consegue dizer não...
Bom restinho de Domingo; abraço
Vitor
Vitor