... pelo simples e indelével prazer da leitura e da escrita!

sexta-feira, 16 de novembro de 2012


ALMA ALADA

Hoje nasci pássaro. Colorido, vivo, brilhante de vida. Enchi-me de mim e parti com destino.
Logo de manhã, timidamente e sem pressa, a primavera pincelava a paisagem com as suas cores preferidas, um rubor de sol nascente. No ar, uma brisa morna envolvia o azul líquido e silencioso que beijava a praia. Recordei-a fresca, cheia, gritante, nos dias em que a luz cortante feria os olhos, cheirava a sol e a mar. Reconheci cada seixo, cada rochedo, cada amor.
Chamou-me o azul e deixei-me ir na luz viva e bem disposta, rumo à casa. A casa. A primavera soprava com tanta força que era impossível não sentir a sua presença. A alegria subiu e alargou-se como um nevoeiro, enchendo-me a alma, a sensação, a ideia. A casa era tão fresca que se ouvia o branco. Reconheci traço, cada ruga, cada sinal. E o som daquelos dedos a sapatear em cima da mesa, arranhando o cérebro à superfície e fazendo barulho onde nem pensávamos que tínhamos ouvidos.
O sol arrastava em liberdade a sua cauda fulgurante quando pousei perto de ti. Pensei que rever-te seria como quando nos dias de chuva intensa os horizontes se fecham ao fim da rua. Mas, na quietude da tarde quente, recordei cada riso teu, cada carícia, cada olhar.
O dia morria quando as minhas asas se fecharam. Procurei-me em quem fui, percorri passados. A viagem demorou o tamanho da minha saudade.
Hoje nasci pássaro. Amanhã nascerei raíz bem presa à terra, de novo.

2 comentários:

  1. E como deve ser bom voar.
    Se nasceres raiz de feijoeiro, voltarás a voar.

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  2. Olá, Ana!

    Lindamente descrita esta curta viagem ao passado - qual romaria da saudade... Assim como quem, a pedido, à alma decidisse fazer a vontade e a levasse a visitar o seu lugar de eleição - ainda que só por um dia.Há pedidos a que se não consegue dizer não...

    Bom restinho de Domingo; abraço
    Vitor
    Vitor

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