Para ti
Foi
para ti
que
desfolhei a chuva
para
ti soltei o perfume da terra
toquei
no nada
e
para ti foi tudo
Para
ti criei todas as palavras
e
todas me faltaram
no
minuto em que talhei
o
sabor do sempre
Para
ti dei voz
às
minhas mãos
abri
os gomos do tempo
assaltei
o mundo
e
pensei que tudo estava em nós
nesse
doce engano
de
tudo sermos donos
sem
nada termos
simplesmente
porque era de noite
e
não dormíamos
eu
descia em teu peito
para
me procurar
e
antes que a escuridão
nos
cingisse a cintura
ficávamos
nos olhos
vivendo
de um só
amando
de uma só vida
Mia
Couto, in “Raíz de Orvalho e Outros Poemas”
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