UMA CASA
ELE - Estou a construir uma casa.
ELA - Não tinha percebido.
ELE - Pensei que a querias
construir comigo.
ELA - Querer é diferente de dever.
ELE - Queres, mas não deves. É
assim?
ELA - Sim.
ELE - Porquê?
ELA - Não confio na solidez da
casa.
ELE - A solidez está a ser
construída lentamente.
ELA - Concordo com essa ideia, se a
pensarmos só por si. O tempo parece-me
fundamental para consolidar o que
quer que seja.
ELE - Então por que não confias?
ELA - Não consegues dedicar-te à
construção de uma única casa. Sentes necessidade
de vários ninhos. Ergues um pilar importante
nesta, mas, logo de seguida,
abandona-la para ires colocar um tijolo
noutra, um pedaço de cimento noutra,
uma pintura noutra ainda. Isso inviabiliza uma
construção sólida, segura,
confiável.
ELE - São tijolos, cimentos,
pinturas isolados. Sem relevância. Esta é que é a casa
importante.
ELA - Errado. A simples existência
de várias casas retira importância a esta. Além disso,
construíste a tua casa importante há muito
tempo. Esta seria apenas temporária.
‘Tudo
mesmo que durante pouco tempo’, não é? Prefiro ‘tudo durante muito
tempo’.
ELE - Intransigente!
ELA - Não, convicta!
ELE – A convicção é a maior inimiga
da verdade.
ELA – A tua verdade é pouco.
ELE – A tua verdade é que tens medo
de te expores.
ELA – Expormo-nos ao outro é o
prelúdio da traição.
ELE – Cavas um fosso entre nós …
ELA – Constróis pontes entre muitas
casas ...