... pelo simples e indelével prazer da leitura e da escrita!

domingo, 26 de janeiro de 2014


CARTAS DE AMOR DE FERNANDO PESSOA E OFÉLIA QUEIROZ

“5/4/1920

Meu Bebé pequeno e rabino:

[…]

Quando nos podemos nós encontrar a sós em qualquer parte, meu amor? Sinto a boca estranha, sabes, por não ter beijinhos há tanto tempo … meu Bebé para sentar no colo! Meu Bebé para dar dentadas! Meu Bebé para … (e depois o Bebé é mau e bate-me …) «Corpinho de tentação» te chamei eu; e assim continuas sendo, mas longe de mim.

Bebé, vem cá, vem para o pé do Nininho; vem para os braços do Nininho; põe a tua boquinha contra a boquinha do Nininho … Vem … Estou tão só, tão só de beijinhos …”

[…]

 

“5/4/1920

Meu Fernandinho lindo,

[…]

Hoje o meu nininho é que foi muito bonzinho para o seu amorzinho não lhe disse disparate nenhum (daqueles de costume) vinha muito amiguinho e eu também muito amiguinha dele.”

[…]

Excertos que ilustram - na perfeição! - as palavras do poeta: "Todas as cartas de amor são ridículas"!!!

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

ÍNCLITA GERAÇÃO

     A vida de Isabel de Borgonha, filha de Filipa de Lencastre e do Mestre de Avis. O amor, a amizade, os laços familiares, a política ...

     Até para "escolher" o momento histórico em que se nasce é preciso sorte!

domingo, 5 de janeiro de 2014


A VELHA

No relógio da sala, duas e vinte da manhã. Luísa continuava a trabalhar afincadamente. As palavras fluiam da caneta para o papel como se tivessem vida própria. As personagens das histórias iam tomando conta dela, direcionando-a, ora num tom tranquilo, calmo, repousante, ora em momentos de alucinantes delírios, guiando-lhe os dedos com frenesim de tresloucamento. Era sempre mais fácil quando as personagens eram verídicas, fantasmas do seu passado. Com essas não se atrevia a devaneios. Respeitava-lhes os sentimentos e os comportamentos. O pior era quando com elas mesclava seres fruto da sua imaginação. E que imaginação, a de Luísa!

Noventa e dois anos. Velha. Aliás, a velha. Para os filhos, as noras, a empregada, até para o empregado da mercearia. A velha. Sabia, melhor do que eles que, durante mais ou menos tempo, tinham sido vítimas da sua rabujice ditatorial – diria, mesmo, das suas maldades -, que merecia aquele tipo de tratamento desprezível. Durante toda a vida, impusera a todos um regime de autoritarismo que não admitia resposta. Senhora de um património considerável, usara-o, sempre, como facilitador de uma vida plenamente satisfatória. Fora esposa adúltera, mãe castradora, sogra execrável, patroa exigente. Mas, para todos os seus defeitos encontrara fundamentos. Não se arrependia.

Agora, com noventa e dois anos e sem doenças graves, divertia-se continuando a enganar os que a consideravam uma velha gagá.  Durante o dia comportava-se, de facto, como se estivesse a perder as suas faculdades mentais: levantava-se tardíssimo, ignorando as horas estipuladas para as refeições, fingia esquecer o que não lhe interessava lembrar, dizia o que lhe apetecia. No entanto, continuava extraordinariamente lúcida. Assim que a empregada saía, por volta da hora de jantar, começava o seu dia. Com a casa só para si, cozinhava o que lhe apetecia, comia no quarto, frente à televisão, revia antigas fotografias, joias, documentos de um passado que continuava vívido na sua memória. E escrevia. Contava tudo aquilo de que se lembrava – e Luísa lembrava-se de tudo! – e, quando se cansava dos que tinham povoado a sua vida, inventava novas histórias, com novas personagens. Zelaria para que os inúmeros cadernos pretos que continham as suas histórias fossem facilmente encontrados depois da sua morte. Mas, até nesse momento enganaria os outros: ninguém destrinçaria as histórias verdadeiras das inventadas! …