... pelo simples e indelével prazer da leitura e da escrita!

sábado, 29 de dezembro de 2012


UMA CASA

ELE - Estou a construir uma casa.
ELA - Não tinha percebido.
ELE - Pensei que a querias construir comigo.
ELA - Querer é diferente de dever.
ELE - Queres, mas não deves. É assim?
ELA - Sim.
ELE - Porquê?
ELA - Não confio na solidez da casa.
ELE - A solidez está a ser construída lentamente.
ELA - Concordo com essa ideia, se a pensarmos só por si. O tempo parece-me  
          fundamental para consolidar o que quer que seja.
ELE - Então por que não confias?
ELA - Não consegues dedicar-te à construção de uma única casa. Sentes necessidade
         de vários ninhos. Ergues um pilar importante nesta, mas, logo de seguida,
         abandona-la para ires colocar um tijolo noutra, um pedaço de cimento noutra,
         uma pintura noutra ainda. Isso inviabiliza uma construção sólida, segura,
         confiável.
ELE - São tijolos, cimentos, pinturas isolados. Sem relevância. Esta é que é a casa
         importante.
ELA - Errado. A simples existência de várias casas retira importância a esta. Além disso,
         construíste a tua casa importante há muito tempo. Esta seria apenas temporária.
         ‘Tudo mesmo que durante pouco tempo’, não é? Prefiro ‘tudo durante muito 
         tempo’.
ELE - Intransigente!
ELA - Não, convicta!
ELE – A convicção é a maior inimiga da verdade.
ELA – A tua verdade é pouco.
ELE – A tua verdade é que tens medo de te expores.
ELA – Expormo-nos ao outro é o prelúdio da traição.
ELE – Cavas um fosso entre nós …
ELA – Constróis pontes entre muitas casas ...

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Há cada vez mais ebooks em português 

Mesmo que um ebook jamais substitua o livro em suporte de papel - o cheiro, a textura, a imagem da folha ... -, esta pode ser uma boa possibilidade, em tempos de crise!

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012


OUTRO CAMINHO

            Sozinho no meio da multidão, olhava em volta, procurando referências. Um recanto conhecido, um rosto vagamente familiar, algo que o ligasse à sua vida. Nada. Absolutamente nada. Sorriu, feliz. Estava completamente sozinho no mundo.
Assolou-o, novamente, aquela sensação de inebriante liberdade. Há oito horas atrás, do outro lado do planeta, cortara todos os laços. A ideia germinava nele há algum tempo. Era, no entanto, algo utópico que, acreditava, nunca conseguiria levar a cabo. Começara por pensar, como quase todos nós, uma vez na vida, em como lhe apetecia desaparecer, deixar tudo e todos para trás. Mas, ao contrário do que acontece com a maioria das pessoas, nele a ideia foi ganhando corpo, tomando contornos de quase obsessão. Mesmo assim, sentia-se incapaz de a concretizar. Era apenas um refúgio num desvão escondido da sua mente. Mas, a discussão com o chefe, aquela pequena e inconsequente troca de palavras que, noutro momento, com outra pessoa, teria sido irrelevante, fê-lo decidir-se. Sabia que nunca conseguiria justificar o motivo daquela tomada de decisão, naquele momento.
Documentos e dinheiro no bolso, partiu. Sem explicações, sem despedidas. Partiu. A verdade é que sabia que já há muito tempo tinha partido. O percurso até ao aeroporto demorou o tamanho do seu silêncio. O táxi rodava numa cadência veloz sobre o tapete negro da estrada. No aeroporto, o vozear da multidão toldava-lhe a vista. Podia escolher qualquer destino e nenhum teria de ser definitivo. Podia fazer o que lhe apetecesse. A escolha recaiu sobre o país o mais longínquo possível da vida que deixava para trás.
E ali estava. Sem remorsos, duvídas ou tristezas. Sabia que não ficaria na memória de ninguém pelo poder transformador das palavras nem pelo poder  regenerador dos seus atos. Seria apenas a recordação do inexplicável. Sentia-se completamente livre. Libertara-se do pó, do nada com que o tempo se encarregara de o cobrir.
Olhou, de novo em redor. E deixou que os seus passos o guiassem na direção que – livremente! – escolhera.

domingo, 16 de dezembro de 2012


NOITE LONGA

2.00. E o sono não chega.
            2.47. Lá fora, o som de três pancadas fortes, logo a seguir, o estilhaçar de vidros e, um minuto depois, o som de um carro a arrancar a alta velocidade. O café em frente é, mais uma vez, assaltado. Parece que a máquina do tabaco, mesmo à entrada, é bastante apelativa. O vizinho do lado telefona à polícia e explica o que acaba de acontecer. Minutos depois, um carro para.
            2.12. O vizinho do lado volta ao telemóvel. Desta vez deve ser alguma amiga também notívaga. Prefiro tentar evitar perceber o que ele diz, mas o tom em que fala não deixa dúvidas. Efabulo, imediatamente, um daqueles tórridos, impossíveis e fugazes amores virtuais. (Pelo tom de voz, tórrido é pouco!) Deve tê-la conhecido num chat, no Facebook ou num blogue. Não importa. O rapaz é novo, tem tempo de sobra para desperdiçar e perceber o que é verdadeiramente importante na vida.
            3.08. A vida vai passando por aqui. Um episódio antigo, outro recente, um triste, outro feliz. E o sono não chega. Noite tão longa, tantas coisas para resolver! Não me apetece. Prefiro conversar contigo. Gosto mesmo destas conversas. Não podes interromper-me, irritar-me, fingir que não percebeste nem “encostar-me à parede” com perguntas de respostas difíceis. Não deixarás nem eu deixo palavras presas numa refração de instantes. Uma espécie de vingançazinha pessoal. Os pensamentos são as sombras dos nossos sentimentos.
            6.00. Começa a formar-se aquele limbo entre o estado desperto e o adormecido. As imagens misturam-se, confundem-se, diluem-se umas nas outras. Não me apetece adormecer …
            Acordarei daqui a pouco e lavarei dos olhos os restos de treva. Por agora, vou ao encontro de mim.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012



O PRISIONEIRO DO CÉU

            O autor afirma que o livro pode ser lido independentemente d’ A Sombra do Vento e d’ O Jogo do Anjo. No entanto, na minha opinião perder-se-ia bastante da consistência da história, já que ela vive, essencialmente, das personagens daqueles dois livros. A história leva-nos ao recorrente espaço de eleição de Záfon: Barcelona. Reencontramos, também, o Cemitério dos Livros Esquecidos. As personagens continuam misteriosas, mas, desta vez, menos obscuras, o ocultismo está mais diluído no enredo. Falta-lhe a emoção dos dois primeiros livros. Mesmo assim, é sempre um prazer ler Carlos Ruiz Záfon.

           Carlos Ruiz Zafón nasceu em Barcelona, em 1964 e é, hoje, um dos autores mais lidos, reconhecido em todo o mundo. Tendo estudado no Colégio dos Jesuítas de Sarriá, estudou jornalismo e trabalhou em publicidade. Abandonou a sua actividade como director criativo de uma grande empresa, em 1992, para começar a escrever. Vive em Los Angeles, California. É guionista cinematográfico e colabora com os jornais La Vanguardia e El País.
            Escreveu: El Príncipe de la Nieba (prémio Edebé), 1993; O Palácio da meia-noite, 1994; As luzes de Setembro, 1995 (Estes três livros seriam compilados, em 2007, n’ A Trilogia da Neblina); A Sombra do Vento (finalista do Prémio do Romance Fernando Lara, 2001 e do Prémio Libreter, 2002); O Jogo do Anjo, 2008; Marina, 2010