... pelo simples e indelével prazer da leitura e da escrita!

sexta-feira, 29 de março de 2013


UM QUASE …É NADA! 

Quase é nada ou é o pouco (ou muito) que foi? Devemos contentar-nos e usufruirmos deste quase ou rebelarmo-nos e não aceitarmos senão o pleno? Servirá o quase de consolação ou devemos arriscar e avançar para tentar o pleno?

Com o quase fica a sensação péssima do que poderia ter sido, mas não chegou a ser. É verdade que podemos sempe fantasiar que o pleno teria sido muito bom, em vez da hipotética deceção de o vivermos. Ah, mas a desilusão de um quase, de tudo o que poderia ter sido e não foi!

O quase beijo, a quase média, o quase emprego, a quase viagem (quem quase amou não amou). Quantas oportunidades se escaparam por entre os dedos, por medo, por cobardia, por falta de coragem! Economiza-se alma em função da cobardia, do receio do risco.            

            Que se gaste mais tempo realizando do que sonhando, mais fazendo do que planeando, mais vivendo do que esperando! Perder com classe e viver com ousadia. A vida é muito para dela fazermos pouco!

quarta-feira, 27 de março de 2013


HISTÓRIA DE UM PESCADOR DE ÁGUA DOCE E DE CERTOS PEIXES (MAIS E MENOS) INTELIGENTES

Chegou às cinco da tarde. Hora pouco habitual para ir à pesca, mas para ele, a melhor. Depois do trabalho, apetecia-lhe relaxar, completamente dedicado ao que se propunha fazer. Era um traço da sua personalidade: só se dedicava a algo quando tinha o espírito plenamente disponível.   Muito mais do que um desporto, para ele a pesca era uma arte. O seu prazer começava com a preparação mental. Ia programando o melhor local, escolhia, mentalmente, o melhor isco, o anzol mais apropriado e, claro, o mais importante, selecionava meia dúzia de peixes passíveis de serem pescados. Toda esta preparação mental contribuía para exacerbar a antecipação do prazer da conquista. (Conquista? Pesca, pesca, claro! Que engano, o meu!)
            E cá temos o nosso pescador de água doce (de água doce, sim, que a pesca em alto mar era coisa para lhe dar trabalho a mais para satisfação intensa, mas breve!) refastelado na sua confortável cadeira, de cana na mão e sorriso plácido de predador certo da eficácia da sua mão.
            O isco foi lançado aos vinte e cinco peixes que por ali nadavam. Dez aproximaram-se. Escolheu cinco alvos. Esmerou-se na ostentação do isco. Um dos peixes, mais afoito, aproximou-se, perigosamente. Sorriu com serenidade. O peixe rodeou o isco, deu às barbatanas, praticamente pestanejou, qual diva sensualmente ingénua! Num repente, abocanhou o isco e … afastou-se rapidamente! Ao contrário do que se poderia pensar, o nosso, por vezes incauto, pescador, reconhecendo a inteligência do adversário, olhou-o enquanto se afastava com uma sensação de pasmo, mas também de respeito por tal adversário.
            E já um dos cinco peixes que marcara anteriormente como vítima lhe chamava a atenção.  Apesar de se destacar um pouco do cardume, via-se que era um daqueles peixes que mordem o isco e se deixam apanhar com alguma facilidade. Foi-lhe acenando com o isco, tornando-o atrativo, … até que a vítima se rendeu e se deixou prender. O pescador de água doce foi recolhendo a linha com muito cuidado (não fosse o peixe conseguir perceber como se desembaraçar do anzol!) e, pouco tempo depois, admirava o exemplar que tinha na mão. Sabia que não lhe restava muito tempo, nem tal lhe interessava. Conhecia o tempo exato durante o qual poderia usufruir do peixe, sem o matar. Perscrutou-lhe cada escama, acariciou-lhe a pele, melífluo, e, naquilo que considerou um gesto magnânimo, atirou-o, de novo, ao rio!
            Não o queria verdadeiramente. Nem àquele nem a nenhum dos outros que por ali pescava. O que o entusiasmava era o prazer do jogo, a paciência e o tempo que investia na preparação, a luta que, de quando em vez, um ou outro peixe lhe dava, a conquista e, finalmente, a magnanimidade da devolução da criatura ao seu estado anterior.
            Com tranquilidade, arrumou todas as suas coisas no carro e sentou-se ao volante. Suspirou, exibindo um sorriso plácido de verdadeiro regozijo por ser exímio naquela arte e partiu.
             Do que acontecia aos seres cujas vidas eram tocadas pelo pescador de água doce não reza a História.

 

 

quarta-feira, 20 de março de 2013


ABRAÇO

            Na compilação de textos publicados ao longo de dez anos, José Luís Peixoto escreve sobre si próprio, sobre a sua vida, partilha a sua intimidade, os seus pensamentos, os seus segredos, deixando abertura para que decidamos sobre algumas situações que não define. Reflete, no fundo, sobre uma grande diversidade de temas. O título do livro é excelente, já que aproxima o escritor dos que o tocaram, mas também do leitor, num abraço de vida. Lamentavelmente, terminei a leitura.           

José Luís Peixoto nasceu a 4 de setembro de 1974, em Galveias, Ponte de Sôr. É licenciado em Línguas e Literaturas Modernas (Inglês e Alemão pela Universidade Nova de Lisboa. A sua obra ficcional e poética figura em dezenas de antologias traduzidas num vasto número de idiomas e estudada em diversas universidades nacionais e estrangeiras. Em 2001, recebeu o Prémio Literário José Saramago com o romance Nenhum Olhar, que foi incluído na lista do Financial Times dos melhores livros publicados em Inglaterra no ano de 2007, tendo também sido incluído no programa Discover Great New Writers das livrarias norte-americanas Barnes & Noble. O seu romance Cemitério de Pianos recebeu o Prémio Cálamo Outra Mirada, atribuído ao melhor romance estrangeiro publicado em Espanha, em 2007. Em 2008, recebeu o Prémio de Poesia Daniel Faria com o livro Gaveta de Papéis. Os seus romances estão publicados na Finlândia, Holanda, no Brasil, nos Estados Unidos, entre outros países, estando traduzidos num total de vinte idiomas. 

quarta-feira, 13 de março de 2013


DIÁRIO DE UM KILLER PROFISSIONAL

            Um assassino profissional apaixona-se por uma francesa, com a qual mantem uma relação amorosa, mas que nada sabe acerca das suas atividades. Um dia, a francesa apaixona-se “também” por um desconhecido e vive um dilema por não conseguir decidir-se entre os seus dois amores. Entretanto, o assassino tem de executar um trabalho particularmente difícil que o leva de Madrid a Istambul, de Frankfurt a Paris e, finalmente, à Cidade do México. A sua angústia sentimental leva-o a cometer inúmeros erros e prepara-se para uma reforma antecipada. No entanto, a sua última vítima aparece associada a uma personagem inesperada.
            Um romance negro, revestido de uma divertida ironia e cujas 77 páginas se leem num ápice!


            Luís Sepúlveda nasceu no Chile, em 1949. Foi membro da Juventude Comunista desde 1964. Licenciou-se, em Santiago do Chile, em encenação teatral. Em 1973, entrou para a guarda pessoal de Salvador Allende e, após o golpe de estado de Pinochet, exilou-se no Equador, em Hamburgo e Paris e, por fim, em Espanha, onde vive.

domingo, 10 de março de 2013


JOGO DE SOMBRAS

Apesar da noite cálida, acolhia no peito o mês inteiro de novembro. Por entre a bruma do sonho, esta saudade dormida em silêncios. Silêncio dormido entre as sombras. O escuro, atrevido, a mordiscar-me os pés. Sono semi desperto. Sombra tomando forma. A do teu rosto. Convida-me.  Como um leão caçando o medo, sigo-te.
 Tu, refletido em várias sombras, eu seguindo-te. Tu, mal intuindo a minha presença, esquivando-te,  eu procurando-te. Tu de aço, eu de seda. Tu à beira do abismo, eu estendendo a minha mão de afago incipiente. Tu, arca de mistérios, eu sem saber em qual me escondo.  Tu, asa esvoaçando pelo quarto, escapando. Eu raíz.
Perco-te na obscuridade.

domingo, 3 de março de 2013


ANTINOMIA
 
Sou mar revolto de tempestade
Lago de águas tranquilas

Vulcão de lava incendiada
Fogo lento queimando a destempo

Fúria solta
Paz quieta 

Amálgama de palavras
Silêncio fechado
 
Grito estridente
Boca vazia de palavra tardia

Flor alada
Pássaro sem voo
 
De seda e de aço
Sou todos os caminhos do mundo
Beco estreito sem saída

Anoiteço em manhã de sol
Amanheço em noite escura