... pelo simples e indelével prazer da leitura e da escrita!

quinta-feira, 28 de junho de 2012


Apetece-me ser o Outro, a Puta,
Aquele de quem ninguém tem compaixão!
Apetece-me ser a corrupção,
A pessoa mais vil, perversa e bruta!

Apetece-me dar o coração
A quem de mim se serve e não me escuta!
Apetece-me qu’rer perder a luta
E abandonar-me assim de mão em mão!

(Apetece-me mais do que imagino:
Vestir o bibe e ser aquele menino
Que ouvia a voz do amor serena e calma!)

Apetece-me ser quem eu não sou
E ao fim fazer amor com quem esmagou
A volúpia nas garras da minh’alma!
Paulo Ilharco


PARANÓIA
Pede-me o poeta: ” Não penses em mim enquanto lês o livro.” Era lá eu capaz de tal!? Um dos maiores prazeres que retirei desta leitura foi precisamente o ato de perscrutar recantos recônditos de uma alma recentemente descoberta. Mas a amizade não velou o meu discernimento. Reitero ao autor o meu deslumbramento por assistir, bastas vezes, ao fluxo de palavras que lhe jorram da mente instintiva e inusitadamente.
Um livro autobiográfico (?). Sem dúvida que, cada um de nós, quando escreve, coloca nas palavras, sejam narradas ou “enpoetadas”, algo de si próprio. No entanto, sendo que cada um de nós é também, e sempre, um pouco de todos os outros com quem se cruzou, poderá um livro ser inequivocamente autobiográfico? Quais de nós estaremos nesta alma de poeta e quais de nós virá ela, ainda a ser?
Deixa a tua alma infetada, Paulo! Não tomes antibiótico!

segunda-feira, 11 de junho de 2012


AMAR POR REFERÊNCIA

Terá o conceito de amor mudado ao longo dos tempos?
Dizem alguns entendidos, estudiosos da história do amor – haverá uma? – que hoje se ama por referências. De facto, assistimos, frequentemente, a casos em que, claramente, a união de duas pessoas acontece meramente por interesse(s). É a profissão do outro, a conta bancária, a forma de vestir, os lugares frequentados, a beleza física, enfim, todo o estilo de vida que se adequa e encaixa na perfeição no que cada um formulou como objetivos de vida. A situação pode ocorrer, com níveis diferentes de percetibilidade, em diferentes camadas sociais, mas parece ser transversal a todas. Na verdade, se a empresária de sucesso procura um companheiro dentro do seu estrato social, financeiro e cultural – ou superior – também a empregada doméstica rejeitará, à partida, um vagabundo sem eira nem beira.
Apontam-se, hoje em dia, vários agentes facilitadores destas “combinações”. De entre eles, talvez os mais convincentes, categóricos, possam ser o económico – e lá vem a crise justificar, mais uma vez, o, a meu ver, injustificável – e o modismo. Deste último também é difícil escapar. Todos os dias somos atacados por jornais, revistas, televisões, outdoors, no sentido da valorização do ter – pior: do parecer! – em detrimento do ser. A questão económica levará, realmente, muitas pessoas a partilharem as suas vidas porque a partilha de despesas torna o quotidiano mais confortável.
Mas, reportemo-nos ao passado. Não precisamos de recuar muito no tempo para nos lembrarmos da dependência da mulher em relação ao homem. Salvo honrosas exceções ditadas por circunstâncias várias, as mulheres dependiam dos homens, tanto na vertente económica como na familiar e na social. Como é que as mulheres – ou os pais – escolhiam os maridos? Tendo em conta a situação de vida dos candidatos, claro. E como é que os homens escolhiam as esposas? Sobressaíam, na altura, as prendas domésticas, a beleza física e o património financeiro, claro.
Poder-se-á, então, dizer que o leitmotiv das relações “amorosas” mudou? Ou será que  ele apenas se tornou mais visível, já que as mulheres são mais independentes e escolhem os companheiros de forma mais aberta? É que associar as nossas mães e avós a escolhas frias e racionais dos seus maridos, movidas por um desejo de uma vida confortável, parece-nos um sacrilégio.
Sejamos, então, nós – os que, de vez em quando, pensamos nestas coisas – o mais racionais possível. Então não é natural que as pessoas se agrupem de acordo com os seus interesses? Com limites mais ou menos definidos, cada um procura na sua esfera de amigos, conhecidos ou “assim-assim” a pessoa com quem gostaria de partilhar a sua vida. Tratar-se-á, no fundo, de uma questão de interesses mais do que de interesse. Um plural que faz toda a diferença!
O interesse dos interesseiros sobreviverá enquanto a humanidade existir.
Os verdadeiros interesses que despoletam o amor, esses serão intemporais!

sábado, 9 de junho de 2012


Valores (Re)Encontrados

Há alguns dias atrás, publiquei, aqui, um texto sobre péssimos exemplos de péssimos hábitos dos portugueses. Apraz-me, agora, publicar outro que retrata uma situação oposta a essa e que nos faz, ainda, ter esperança em valores que, de vez em quando, damos como perdidos.
            No passado domingo, fui almoçar fora com alguns familiares, a propósito do aniversário de uma prima. Paralelamente às nossas mesas mais umas quantas ocupadas por cerca de vinte pessoas, entre as quais dois rapazes e uma rapariga de capa e batina. Soubemos, mais tarde, que era o dia da Bênção das Pastas. (Ainda sou do tempo em que a bênção se realizava no domingo anterior ao início da Queima das Fitas!). No fim do almoço, cantámos, discretamente, os parabéns à aniversariante e batemos umas palmas também discretas … logo secundadas pelas das mesas ao lado. Agradecemos e oferecemos metade do bolo de aniversário. Um dos rapazes veio, então, à nossa mesa parabenizar a aniversariante, agradecer o bolo, oferecer um cartão de visita e conversar um bocadinho connosco. As três famílias de Bragança tinham vindo almoçar com os jovens, naquele dia especial. Os três eram estudantes de arquitetura a um ano do fim do curso. Acabámos por sair, tarde, do restaurante todos ao mesmo tempo e as famílias ainda fizeram questão de se despedirem de nós.
            Contado assim, parece nada haver de relevante na atitude sobretudo dos jovens. Mas, a verdade é que estamos tão habituados a presenciar, mesmo em estudantes universitários, comportamentos tão pouco próprios, tão inadequados às regras básicas de uma sã convivência, que nos espantamos quando encontramos seres considerados normais dentro dos parâmetros da sociedade que nos formatou, talvez exageradamente, é certo, mas com a qual temos de (con)viver.
            Felizmente, ainda há quem valorize, a regra mágica do respeito pelos outros!