... pelo simples e indelével prazer da leitura e da escrita!

sexta-feira, 27 de julho de 2012


CONTOS COMPLETOS

Um conjunto de contos de Fernando Pessoa, alguns já conhecidos, outros inéditos,  repletos de humor, inteligência, absurdo e ironia. Parece-me uma excelente abordagem para quem não conhece Pessoa – e há quem não conheça! – e, sobretudo, para quem considera o autor só sombrio, soturno, “pesado”.

quarta-feira, 25 de julho de 2012


TRAIR OU NÃO TRAIR


ELE – Só devemos manter-nos fiéis a nós mesmos. Além disso, a lealdade reside numa identidade de almas raramente encontrada.

ELA – Não te parece que a deslealdade nasce, também, dos muros que criamos à nossa volta, fruto da insatisfação humana?

ELE – Da insatisfação em relação a desejos e expectativas, de pequenas vinganças, do estímulo provocado pela sensação de perigo ... De tantos momentos e sentimentos!

ELA – Exceto  do amor …

ELE – Exceto do amor, claro, reconheço. Mas crês que quando alguém trai o/a parceiro/a não vive um conflito interno , não acaba por sentir culpa?

ELA – A traição só acontece quando a relação já não está harmoniosa.

ELE – Errado. Todas as pessoas são potenciais traidores, independentemente do estado da relação que mantêm.

ELA – Mas isso significaria uma verdadeira batalha quotidiana para segurar o parceiro! Todos estamos, diariamente, expostos a tentativas de sedução no nosso local de trabalho, na rua, na Internet …

ELE – Por isso mesmo, o conceito de posse tornou-se absurdo. Ninguém consegue controlar ninguém. Tal como a ideia de casamento. Se este não tiver como fim um contrato comercial e social já não faz sentido.

ELA – E  dentro ou fora de todos esses conceitos que rejeitas – casamento, lealdade, honestidade … - onde é que aparece o amor?

ELE – Deverias perguntar quando e não onde. Conheces as palavras de Vinicius de Moraes?

             “Eu possa me dizer do amor (que tive)

                Que não seja imortal, posto que é chama

                 Mas que seja infinito enquanto dure”

ELA – Basicamente, parece-me que tudo se resume a uma questão de caráter. E esse, tem-se ou não.

ELE – Basicamente, parece-me que tudo se resume ao amor: ou se ama e não se trai – por uns tempos – ou não se ama e se dá largas à infidelidade dos genes dos sentimentos!

domingo, 22 de julho de 2012


PARA LÁ DAS AMARRAS


         Era uma vez uma princesa que vivia encerrada numa torre muito alta. A sala onde se encontrava era pequena, fria e tinha paredes muito grossas. Acorrentada por fortes correntes presas a uma parede, para ali ficara, esquecida, encarcerada, aquando da conquista do seu reino por inimigos vizinhos.
        
      A princesa sabia que jamais conseguiria sair daquele lugar, mas, rebelde como sempre havia sido, arranjara uma forma de se evadir. Uma pequena janela permitia-lhe olhar para o mundo lá fora. O seu horizonte terminava na orla de uma densa floresta, em frente, e nuns campos verdes a perder de vista, à direita. Durante o dia distraía-se a ver, ao longe, os poucos trabalhadores que lavravam as terras e um ou outro cavaleiro que se aventurava, embora raramente, até à entrada do bosque. Mas, uma janela serve também para voarmos, para sermos livres, para imaginarmos tudo o que quisermos. Não há cadeados que consigam impedir os nossos sonhos de nos levarem onde quisermos. Por isso, à noite, a princesa saía da torre envolta nos seus sonhos e partia rumo a destinos distantes, exóticos, de outra forma inatingíveis. Vivia outras vidas, ouvia outras vozes, sentia outros cheiros, amava muitas pessoas.
      
       Um dia, passou por ali um garboso cavaleiro que, fazendo jus às histórias de encantar, logo se apaixonou pela princesa. Conhecedor da má sorte da sua amada, o cavaleiro começou a namorar a princesa, todas as tardes, montado num dragão alado que o levava até ao cimo da torre e pairava junto da pequena janela. A princesa ansiava, todos os dias, pela visita do cavaleiro, mas, sabendo da impossibilidade de se libertar do cárcere, pedia-lhe sempre que não voltasse. O cavaleiro, no entanto, não desistia. Nenhum outro destino lhe parecia ter sentido.
         
       Numa manhã em que cavalgava perto da torre, pensando num desfecho feliz para esta história que ora se conta, o cavaleiro tomou uma decisão. Chamou o dragão alado, subiu ao cimo da torre e içou-se para o parapeito da pequena janela. Perante o espanto da princesa, o cavaleiro entrou dentro do exíguo e frio compartimento e, não conseguindo libertar a amada das fortes correntes que a prendiam à parede, retirou do alforge duas grossas argolas de ferro e acorrentou-se ele à princesa.
        
       Agora, à noite, há duas almas que saem da janela da torre, envoltas em sonhos, partindo rumo a destinos distantes, exóticos, de outra forma inatingíveis.

sexta-feira, 20 de julho de 2012


O PASSARINHO E A SERPENTE


            - Vem cá, passarinho, vem – chamava, insinuante, a Serpente.

            - Não, estou bem aqui – respondia, hesitante, o Passarinho.

            Há semanas que a Serpente cercava o indefeso passarinho, aliciando-o para interessantes conversas de fins de tarde. Ciciava-lhe palavras escorrendo mel, intervalando-as com outras saídas de afiados punhais, num subtil jogo de avanços e recuos, de progressos e retrocessos. Sabia que o animalzinho, apesar do seu ar frágil, não seria fácil de apanhar. Aliás, a princípio nem sequer pretendia molestar o pequeno pássaro. Parecia-lhe demasiado insignificante para perder tempo com ele, até porque outras vítimas de maior porte e mais facilmente capturáveis a rodeavam frequentemente. Mas, a pouco e pouco, começou a reparar no animalzito que por ali pipilava e no seu olhar desafiante. Desafiá-la a ela, uma caçadora experiente e sabida!? Começou a encontrar alguma graça naquele jogo, à partida desigual, e ao atrevimento da avezita que não se fazia rogada nem recuava.

            Por seu lado, o Passarinho, apesar de reconhecer o perigo nos olhos malignantes e maliciosos da Serpente, não conseguia resistir à atração que aquele abismo lhe provocava. Tinha (quase) a certeza de, no momento final, conseguir afastar-se da morte programada pela pérfida. Assim, lá ia jogando com as mesmas armas da contendora - o ataque e a defesa - consoante o frágil equilíbrio em que se sustinham. Aliás, o Passarinho sentia cada vez mais dificuldades em manter aquele jogo, pois a verdade é que, presunçoso como era, parecera-lhe, inicialmente, que a vitória seria fácil. Agora, porém, começava a perceber que subestimara a adversária.

            Naquele dia, o fim de tarde revelara-se particularmente quente. Apenas a sombra do frondoso choupo sob o qual costumavam encontrar-se – a distância segura (para ambos!), refira-se – os protegia razoavelmente da canícula vespertina. A Serpente mostrava-se particularmente sedutora e o pobre Passarinho sentia-se ceder na vontade férrea do início daquele jogo. À medida que, hipnotizado, se aproximava das mandíbulas aguçadas da Serpente, ia perdendo a manha, a astúcia, o distanciamento que, até aí, o tinham mantido firme no mesmo nível da adversária. Já esta, certa do desejado e iminente sucesso, não desviava os seus olhos, flamejantes de vaidade, dos do pobre pássaro. Mas, repentinamente, o brilho do olhar esmoreceu, as mandíbulas começaram a fechar-se e uma expressão de verdadeiro espanto invadiu a Serpente. A dois pulos da morte, o Passarinho parara. Num golpe de mestre exímio, começou a metamorfosear-se. O corpo avolumou-se, o bico aguçou-se, garras e asas  amontanharam-se e a Águia agigantou-se diante da incredulidade da Serpente. Célere, rasou um voo inesperado sobre a adversária e segurou-a com firmeza nas garras. Subiu por sobre o choupo e foi-se afastando da floresta. Sempre com a Serpente bem segura nas garras, sobrevoou campos, vales, rios. A pobre Serpente, sabendo o jogo perdido, sentia-se também já perdida e esperava, a cada momento, estatelar-se no chão, certa da maldade daquele “passarinho” que tão bem a tinha enganado.

            Absorta nestes pensamentos, a Serpente mal se apercebeu de que a noite caíra há alguns minutos quando, finalmente, a águia começou a abrandar o voo, desceu sobre o cume de uma montanha e, com imenso cuidado, a pousou junto de um enorme ninho.

            - Da ponta daquele penhasco – apontou a Águia com o bico – partem, todos os dias, as aves que ali vês. Nenhuma te fará mal. Poderás viajar com elas até ao lugar onde vivias e voltar sempre que quiseres … ou não.

            Altiva, e sem esperar resposta, a Águia virou-se e dirigiu-se ao ninho.

            Serpenteando por entre a escassa vegetação do lugar, sem pressa, a Serpente subiu ao ninho da Águia, encostou o seu frio ao calor dela, ergueu a cabeça e ambas se quedaram, lado a lado, de olhos fixos na mesma linha do horizonte.

            A viagem começava ali.






quarta-feira, 18 de julho de 2012



I Will Wait For You ... com nome, morada e código postal. :))

PEZINHOS DE COENTRADA

 Foi o primeiro livro para adultos de Alice Vieira que li. Um conjunto de histórias e personagens que nos são familiares. Histórias deste e de outros tempos. Um humor que, não sendo exuberante (ainda há disso, felizmente!), nos provoca  (a nós que já não temos idade para não percebermos finas ironias) qualquer coisa entre o sorriso e a gargalhada. Leve, interessante e acutilante.

                                                Biografia de Alice Vieira

terça-feira, 10 de julho de 2012


NÓ DE ESTRADA

Chegaste repentinamente e desarrumaste o meu coração.

Há quanto tempo este caminho vinha sendo preparado! Trilhámos continuamente atalhos paralelos, nunca cruzados. Íamos olhando de soslaio para esta estrada, mas tropeçávamos sempre em escombros soltos pelos carreiros.

De repente, os nossos atalhos cruzaram-se. Assim, do nada. Quase sem que nenhum de nós o previsse ou até tivesse feito algo para que tal acontecesse. Cruzámo-nos neste nó de estrada e, assombrados, ficámos sem saber o que fazer. Olhando para trás víamos o caminho, que desembocava neste enlace, vazio de nós. Adiante uma estrada que se abria incerta. Seria larga? Comprida? Acolher-nos-ia, protegendo-nos de intempéries, assaltos, ataques vindos de veredas obscuras? Ou terminaria poucos metros à frente?

Diante de nós, as cores do verão despiam de névoa o caminho que se abria, ocultando a escuridão dos atalhos, delineando as bermas, desenhando terreno seguro. Saberíamos nós vestir-nos de piratas, de ciganos, de anjos e demónios e  percorrer esta estrada, de mãos dadas, com paixão e ternura, com cumplicidade, lealdade e verdade? Parados neste nó de estrada, hesitávamos entre o conforto do presente e a incerteza do desconhecido. A viagem seria leve - sabíamos - se nos despojássemos das bagagens que cada um trazia, mas muito mais pobre. (A facilidade nunca nos seduziu!)

O que haveria para lá do horizonte? Um precipício? Um castelo? Apenas a continuação da estrada?

Decide (comigo) disfrutar do caminho, descobri-lo devagar, sem a ânsia de conhecer o lugar onde nos leva!  

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Para ti
Foi para ti
que desfolhei a chuva
para ti soltei o perfume da terra
toquei no nada

e para ti foi tudo


Para ti criei todas as palavras
e todas me faltaram
no minuto em que talhei
o sabor do sempre

Para ti dei  voz
às minhas mãos
abri os gomos do tempo
assaltei o mundo
e pensei que tudo estava em nós
nesse doce engano
de tudo sermos donos
sem nada termos
simplesmente porque era de noite
e não dormíamos
eu descia em teu peito
para me procurar
e antes que a escuridão
nos cingisse a cintura
ficávamos nos olhos
vivendo de um só
amando de uma só vida
Mia Couto, in “Raíz de Orvalho e Outros Poemas”

sexta-feira, 6 de julho de 2012


A SOMBRA DO IMBONDEIRO

O livro conta a história da autora, a sua viagem fantástica pelo mágico continente africano. Retrata a vida de portugueses e angolanos, entre os anos 50 e 70, mas também o regresso trágico a Portugal de muitas famílias que perderam literalmente todos os bens materiais e imateriais.   

Isabel Valadão nasceu em Lisboa e foi viver para Angola, em 1951, com seis anos, onde viveu até 1975. Foi analista química dos Serviços de Geologia e Minas, em Luanda, e secretária da revista angolana Notícia.  Regressou a Portugal em 1976, Licenciou-se em História da Arte, aos 49 anos, na Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa. Dedicou-se, também, à investigação na área da Defesa e Conservação do Património e à conservação e restauro de pintura.