... pelo simples e indelével prazer da leitura e da escrita!

sexta-feira, 23 de setembro de 2011



Vale mesmo a pena ver até ao fim! Lindíssimo!





Agora que o novo acordo ortográfico é uma realidade incontornável parece-me sensato procurar acompanhar a mudança. Aqui ficam duas sugestões de conversores ortográficos fidedignos e que ajudarão, com certeza, todos os que amam a nossa língua e a usam como a arte que é.

Lince Conversor Ortográfico


Porto Editora Conversor Ortográfico

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

A VIAGEM

                                       *


    É noite em mim. A chuva molha-me, gelada, incessante, ritmada. Os trovões ribombam na minha cabeça. Os relâmpagos entram pelos dedos dos meus pés e sobem pelo meu corpo, queimando-me as entranhas. É noite em mim. O negrume envolve-me como um manto angustiante. Asas negras de aves negras abraçando uma alma negra. A sensação da chuva gélida penetra na minha pele, aperta-me a carne, difunde-se pelos ossos, apaga o incêndio dos relâmpagos, gela-me a alma.


                                                                 *


    E o sol fora de mim. O calor sufoca as mulheres nos seus vestidos de seda, minúsculos, os homens nas suas calças e camisas claras e até as crianças que tinham sido autorizadas a brincarem na piscina. A festa está animada. Doces, salgados e bebidas exóticas combinam em cores e sabores com a efusividade dos convivas. Não os detesto. Não os odeio. Não os invejo, sequer. Já lhes pertenci. Ou, pelo menos, tive a ilusão de lhes pertencer. Quando percebi que não passava de ilusão, que não podia juntar-me a eles nem vencê-los, decidi vencer-me a mim própria.

    Passar despercebida – já que o sonho da invisibilidade sei-o irreal.

    Gosto de festas. É muito mais fácil não chamar a atenção. Permitem-me viajar para dentro de mim sem que ninguém se aperceba da minha presença, da minha solidão. E se alguém, inadvertidamente, repara em mim ou me dirige a palavra, tenho o treino suficiente para dar uma quase - resposta, com um quase - sorriso, e rastejar, de novo, para dentro de mim, sorrateiramente. Trata-se de uma táctica desenvolvida e aperfeiçoada, com grande perseverança, ao longo de muitos anos. A princípio, o meu sorriso era amarelo e tinha dificuldade em esconder a dor que os outros me infligiam. Mas, a pouco e pouco, e com vontade férrea, fui conseguindo disfarçar, fingir, responder o que era expectável e começar a construir a minha casa dentro de mim. Fui tão empenhada que consegui chegar a este patamar de perfeição onde me encontro: quando sou confrontada, rodo o botão da indiferença e, tranquilamente, regresso a “casa”, eliminando até os ecos das vozes alheias.  É claro que a quantidade e qualidade das dores infligidas pelos outros tiveram uma quota-parte significativa no aperfeiçoamento desta técnica.


                                                                  *


    É noite lá fora. E em mim. A minha “casa” alargou-se ao meu quarto. Reconforta-me a dor que as paredes me transmitem. A estas nada posso confessar. Absorveram os gritos, as zangas, os insultos, as humilhações. Nem elas lhes resistiram. Cada grito tem um rosto, mas misturam-se, confundem-se até já não se saber a quem pertencem. Nem importa. Cumprem a sua missão de fazer doer. É tudo.

    Aqui, no escuro, sentada na minha cama, fixando o vazio, sei que mantenho, ainda, a minha sanidade mental. Sei que não vou conseguir dormir. O dia foi cansativo. Viajar para dentro de mim e manter-me, ainda assim, alerta quanto à possibilidade de um confronto, desgasta-me. Em dias assim sei que não consigo dormir. Resisto, no entanto, aos comprimidos. Sei que no dia em que começar não pararei. Ou que será o fim. Nunca tinha pensado na minha morte. No entanto, ultimamente, essa ideia tem-me feito companhia. Vou-a acarinhando como uma presença reconfortante. O nada. Alguns comprimidos e pufff!!! Nada de confrontos, de dores, de viagens. Nada mais que o vazio. Tenho plena consciência de que me encontro na ténue e frágil linha entre a loucura e a sanidade, entre a vida e a morte. Ainda tudo é possível. Tudo menos continuar aqui. Tudo menos continuar a ser o cofre onde todos guardam as suas culpas, os seus rancores, as suas mágoas, as suas frustrações. Um cofre aberto onde os outros encontram sempre espaço para encerrarem mais uma dor.

   Partir!

    Partir seria bom. E possível. Abrir o cofre, qual caixa de Pandora, e deixar sair todas as dores. Vê-las esvoaçar como loucas, tontas de liberdade, ébrias de espaço. Sabê-las buscando os algozes que as haviam encerrado em mim, mas, memórias doloridas, confundindo-se, criando o caos. E eu … livre! Livre de tempo, de espaço, de dor.

    Partir é urgente. Partir de mim, vencer-me.

    A noite adensa-se fora de mim. Esforço-me por não me deixar perder nela. Sinto-me perto do fim. A linha fragiliza-se e fragiliza-me. Viajo nas minhas memórias. Sinto todas as dores passadas e presentes. Cada uma volta a queimar-me como ferida lancinante, insuportável.

    Partir é possível. Partir é urgente. O nada …


                                                                 *


    O aeroporto amanhece cinzento e húmido. Sempre gostei de aeroportos. Agrada-me a ideia da partida. E a do anonimato.

    A avaliar pelos olhares que os outros me deitam devo apresentar um aspecto pavoroso. Sinto os olhos vermelhos, a pele pálida, o cabelo desgrenhado. A velha mochila leva apenas duas mudas de roupa interior, uma camisa, um par de calças e um casaco quente. Dirijo-me ao guichet e, perante o olhar estupefacto da funcionária, peço:

    - Um bilhete para o próximo avião que sair do aeroporto, não importa o destino.

    Parti.

domingo, 4 de setembro de 2011

EBOOKS

Mais um link que possibilita a leitura de ebooks. Embora o tenha explorado apenas superficialmente, pareceu-me bastante completo e interessante, por exemplo, para trabalhos de investigação.


http://purl.pt/index/geral/PT/index.html

Biblioteca Nacional Digital

ILHA TERESA


    Teresa, uma jovem de 15 anos, deixa Lisboa com os pais e o irmão, mais novo, para ir viver para Nova Iorque. Sente dificuldades em adaptar-se, sobretudo no que respeita à língua. Angel, o seu único amigo, um rapaz brasileiro, homossexual, é perseguido e agredido, física e emocionalmente na escola, por causa da sua orientação sexual - a homossexualidade  é, aliás, um tema recorrente na obra do autor. O pai de Teresa morre, deixando os filhos entregues  a  uma mãe  displicente e nada afectiva. Apesar da forte ligação de protecção que tem com o irmão, a jovem começa a beber e planeia o suicídio. Mas tudo muda com a quase morte do rapazinho.
    Apesar de um estilo completamente diferente do habitual, Zimler mantém a genialidade das suas personagens.  Neste caso, destaca-se Teresa, uma adolescente detentora de um petulante humor negro e de uma incrível capacidade de amar. No seu riquíssimo mundo interior, a rapariga é uma ilha, rodeiam-na sentimentos e atitudes que – presume ela – a protegem do exterior.
    “Às vezes agarramos um momento e enfiamo-lo no bolso e sabemos que vamos andar com ele o resto da nossa vida.” Teresa
    Eis o que, na minha opinião, caracteriza a genialidade de um escritor: transformar um conceito simples em palavras memoráveis!


Richard Zimler nasceu em 1956, em Roslyn  Heights, Nova Iorque. Fez um bacharelato em  Religião Comparada, na Duke University e um mestrado em Jornalismo, na Stanford University. Trabalhou como jornalista  em São Francisco. Em 1990 mudou-se para o Porto onde foi  professor de jornalismo, na Escola Superior de Jornalismo e na Universidade do Porto.  Como escritor ganhou inúmeros prémios. Publicou:
  •  O Último Cabalista de Lisboa
  • Trevas da Luz
  • Meia-Noite ou o Princípio do Mundo
  • Goa ou o Guardião da Aurora
  • À Procura de Sana
  • A Sétima Porta
  • Confundir a Cidade com o Mar
  • Dança Quando Chegares ao Fim
  • Os Anagramas de Varsóvia
  • Ilha Teresa


FAZ-ME O FAVOR ...


Faz-me o favor de não dizer absolutamente nada!
Supor o que dirá
Tua boca velada
É ouvir-te já.

É ouvir-te melhor
Do que o dirias.
O que és não vem à flor
Das caras e dos dias.

Tu és melhor – muito melhor!
Do que tu. Não digas nada. Sê
Alma do corpo nu
Que do espelho se vê.

                                        Mário Cesariny