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sexta-feira, 6 de setembro de 2013


HISTÓRIA DE UM CERTO ENGANO

Era uma vez um engano. Bem, a verdade é que nem sempre fora isso. Tempos houve em que o engano tinha sido uma certeza. … Não se pode acusar o pobre de ter sido um engano propositado. Pois se não tinha consciência de tal!

            Dera por si, certa tarde, devagarinho, assim como quem acorda de um coma sem memória de quem é. Aos poucos, foi-se reconhecendo e afirmando como uma certeza. A sua existência como tal tornou-se, até, um finca pé consigo próprio. Era uma certeza. Estava ali. Pronto!

            Mas, como a realidade era, de facto, diferente da consciência que tinha de si, a pouco e pouco, foi sendo tomado pela dúvida. O tempo, esse ora aliado consolidando certezas ora inimigo instilando dúvidas, foi minando a certeza da sua existência.

            Como era possível, pensava o engano, ter-se enganado daquela forma quanto à sua certeza? E agora? Como desfazer claramente a certeza e assumir-se como engano? Não lhe agradava causar a impressão de ser um engano premeditado. Precisava de se desfazer com elegância. O melhor seria sair da certeza em pezinhos de lã, assim como quem não quer a coisa. Deixar no ar a certeza-dúvida para adiar a possível acusação de engano ponderado e previsto. Afinal, ele próprio se tinha enganado!

            Assim, arregaçando mangas e paciência, foi-se desvanecendo como certeza, dando, lentamente, lugar ao engano que sempre tinha sido.

1 comentário:

  1. Olá, Ana!

    E assim se fechou o círculo à volta dum senhor engano que sempre o tinha sido...mas que o "enganado/a" não queria ver.
    Acontece na vida, quando se confunde o desejo com a realidade: wishful thinking, como na língua inglesa se costuma dizer...

    Está muito bem construído este jogo de palavras; trocadilho a fazer lembrar puzzle com muitas peças, e não assim tão fácil de desconstruir...


    E eu gostei de aqui voltar.

    Bom Domingo, e um abraço.
    Vitor

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