... pelo simples e indelével prazer da leitura e da escrita!

sábado, 10 de março de 2012


PORTO DE ABRIGO PRECISA-SE!

            Navego em mar de sal ardente. Rasgado por chispas lancinantes de luz, por atroadores sons vindos das profundezas, o breu, manto negro, áspero e pesado, envolve a minha frágil concha de madeira. Ondas alterosas atiram-me para nenhures, qual marioneta presa por fios invisíveis direcionando os meus movimentos, a minha vida sem piedade. Céu e mar unidos num só elemento, predispostos a engolirem-me vorazmente. Navego sem rumo, ao sabor do vazio, perdida no nada.
Lentamente, à distância, uma das chispas parece mais constante. As vagas aproximam-me do minúsculo ponto de luz que, lentamente, se vai revelando um porto de abrigo! O desespero impulsiona-me a tentar rumar naquela direção, mas … quantos portos de abrigo deixados para trás? Quantos se revelaram inseguros? Quantos não passaram de miragens, quimeras de quase-náufraga em fim de linha? Suspensa na crista da onda, suspendo a decisão …

CONCLUSÃO - 1
Ao contrário de Ulisses, obrigo-me a não ouvir um canto de sereia que me poderia ser fatal. Viro a proa da minha casca de noz à tentação e embrenho-me mar adentro, enfrentando os elementos. Afinal o meu porto de abrigo está em mim!

            CONCLUSÃO - 2
A tentação é forte, o desespero vence. Viro a proa em direção ao porto de abrigo, esperando encontrar a bonança. Mas, inexplicavelmente, o ribombar dos trovões adensa-se, o som das ondas torna-se mais forte e ameaçador. De repente, poucos metros à minha frente, altas escarpas aguçadas delineiam-se no horizonte negro. A escassos momentos do embate fatal, viro a proa mar adentro, enfrentando os elementos. Pelo caminho, outros portos acontecerão. Diz-se que, na viagem, o que conta é o caminho e a bagagem. Melhorará o meu discernimento?

            CONCLUSÃO - 3
A tentação é forte, o desespero vence. Viro a proa em direção ao porto de abrigo, esperando encontrar a bonança. À medida que me aproximo, a luz começa a romper por entre o negume e vai-se tornando mais esplendente. O ancoradouro surge como um refúgio acolhedor há muito ansiado. Aquieto-me.
Flutuo, agora, em águas de calmaria neste porto seguro. Sei que outras tempestades virão, mas estarei fortalecida e saberei rumar, sempre, a este escape. Porto de abrigo encontrou-se!

6 comentários:

  1. Olá, Ana!

    Os meus parabéns pela perspicácia e olho apurado de revisor de provas: Não foi nada difícil de conseguir, acredite: é erro primário,um tanto embaraçoso...conhecido na gíria por redundância. Acontece aos "melhores"...Obrigado pelo aviso; já está corrigido.

    E quanto a essa viagem, a princípio, confesso, pensei estar a ler um relato do dobrar do Cabo das Tormentas, com todo esse temporal a fustigar tão frágil embarcação...

    Agora a sério, é feliz a metáfora escolhida: alguém em mar revolto à procura de porto seguro, que nem sempre saberá se o é, até lá ter aportado.Igualmente verdade, é que alguém perdido no "mar" não pode lá permanecer indefinidamente - à espera...

    Muito bem escrito; parabéns!

    E até à próxima, com um abraço.
    Vitor

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    1. É sempre um prazer ler os seus comentários simpáticos e ... acutilantes! : )

      Pois, eu escolheria a última possibilidade ... tem alguma fórmula secreta que possa partilhar comigo para podermos decidir o rumo das nossas vidas? :)

      Até 'já'. : )

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  2. Parece-me que já foi encontrado esse tão ambicionado porto de abrigo, amiga Ana.
    A vida leva-nos a zarpar por mares agitados, mas a calmaria acaba, mais cedo ou mais tarde por nos trazer de volta ao cais e à bonança.

    Gostei imenso.
    Parabéns

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    1. Nem sempre a bonança desejada, mas bonança...

      Obrigada, Ná : )

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  3. Parece que terá encontrado mais conforto na "Conclusão - 3"! Parece porque, na leitura como na vida, muito somos tentados por miragens!... Afinal, não ficámos todos tão ricos com a cedência de Ulisses? E a sua "Odisseia" não foi, também ela, um grito de vida em toda a sua plenitude? Por outro lado, não somos confrontados, cada dia da nossa vida, com obstáculos imprevistos, tantas vezes dissimulados no meio dos mais sedutores caminhos?...
    Parabéns, Ana, por esta tão bem elaborada metáfora! Obrigado pela oportunidade oferecida para me envolver na procura do porto de abrigo que, sem dúvida, terá encontrado, a seu jeito e, com jeito de aplaudir!
    Beijinho e bom fim de semana!
    jc

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    1. Sempre gentil, Joaquim! : )

      Concordo plenamente consigo quando se refere a obstáculos imprevistos dissimulados no meio de caminhos sedutores. O problema coloca-se na nossa capacidade de discernimento, que nem sempre é clara. Trata-se do processo do nosso amadurecimento que não se completa nunca, creio eu.

      Bom fim de semana também para si. : 9

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