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sexta-feira, 20 de julho de 2012


O PASSARINHO E A SERPENTE


            - Vem cá, passarinho, vem – chamava, insinuante, a Serpente.

            - Não, estou bem aqui – respondia, hesitante, o Passarinho.

            Há semanas que a Serpente cercava o indefeso passarinho, aliciando-o para interessantes conversas de fins de tarde. Ciciava-lhe palavras escorrendo mel, intervalando-as com outras saídas de afiados punhais, num subtil jogo de avanços e recuos, de progressos e retrocessos. Sabia que o animalzinho, apesar do seu ar frágil, não seria fácil de apanhar. Aliás, a princípio nem sequer pretendia molestar o pequeno pássaro. Parecia-lhe demasiado insignificante para perder tempo com ele, até porque outras vítimas de maior porte e mais facilmente capturáveis a rodeavam frequentemente. Mas, a pouco e pouco, começou a reparar no animalzito que por ali pipilava e no seu olhar desafiante. Desafiá-la a ela, uma caçadora experiente e sabida!? Começou a encontrar alguma graça naquele jogo, à partida desigual, e ao atrevimento da avezita que não se fazia rogada nem recuava.

            Por seu lado, o Passarinho, apesar de reconhecer o perigo nos olhos malignantes e maliciosos da Serpente, não conseguia resistir à atração que aquele abismo lhe provocava. Tinha (quase) a certeza de, no momento final, conseguir afastar-se da morte programada pela pérfida. Assim, lá ia jogando com as mesmas armas da contendora - o ataque e a defesa - consoante o frágil equilíbrio em que se sustinham. Aliás, o Passarinho sentia cada vez mais dificuldades em manter aquele jogo, pois a verdade é que, presunçoso como era, parecera-lhe, inicialmente, que a vitória seria fácil. Agora, porém, começava a perceber que subestimara a adversária.

            Naquele dia, o fim de tarde revelara-se particularmente quente. Apenas a sombra do frondoso choupo sob o qual costumavam encontrar-se – a distância segura (para ambos!), refira-se – os protegia razoavelmente da canícula vespertina. A Serpente mostrava-se particularmente sedutora e o pobre Passarinho sentia-se ceder na vontade férrea do início daquele jogo. À medida que, hipnotizado, se aproximava das mandíbulas aguçadas da Serpente, ia perdendo a manha, a astúcia, o distanciamento que, até aí, o tinham mantido firme no mesmo nível da adversária. Já esta, certa do desejado e iminente sucesso, não desviava os seus olhos, flamejantes de vaidade, dos do pobre pássaro. Mas, repentinamente, o brilho do olhar esmoreceu, as mandíbulas começaram a fechar-se e uma expressão de verdadeiro espanto invadiu a Serpente. A dois pulos da morte, o Passarinho parara. Num golpe de mestre exímio, começou a metamorfosear-se. O corpo avolumou-se, o bico aguçou-se, garras e asas  amontanharam-se e a Águia agigantou-se diante da incredulidade da Serpente. Célere, rasou um voo inesperado sobre a adversária e segurou-a com firmeza nas garras. Subiu por sobre o choupo e foi-se afastando da floresta. Sempre com a Serpente bem segura nas garras, sobrevoou campos, vales, rios. A pobre Serpente, sabendo o jogo perdido, sentia-se também já perdida e esperava, a cada momento, estatelar-se no chão, certa da maldade daquele “passarinho” que tão bem a tinha enganado.

            Absorta nestes pensamentos, a Serpente mal se apercebeu de que a noite caíra há alguns minutos quando, finalmente, a águia começou a abrandar o voo, desceu sobre o cume de uma montanha e, com imenso cuidado, a pousou junto de um enorme ninho.

            - Da ponta daquele penhasco – apontou a Águia com o bico – partem, todos os dias, as aves que ali vês. Nenhuma te fará mal. Poderás viajar com elas até ao lugar onde vivias e voltar sempre que quiseres … ou não.

            Altiva, e sem esperar resposta, a Águia virou-se e dirigiu-se ao ninho.

            Serpenteando por entre a escassa vegetação do lugar, sem pressa, a Serpente subiu ao ninho da Águia, encostou o seu frio ao calor dela, ergueu a cabeça e ambas se quedaram, lado a lado, de olhos fixos na mesma linha do horizonte.

            A viagem começava ali.






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