... pelo simples e indelével prazer da leitura e da escrita!

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

AFAGOS DE LUAR



Esta noite vieste afagar-me.
Esperei-te entre os lençóis de linho bordados a Richelieu. Espalhei alfazema pelo quarto, apaguei a luz e aguardei a tua chegada. Sabia que virias esta noite. A saudade, quando arrastada no tempo, com intensidade, pode tornar-se palpável e matar-nos. Esta noite a saudade, esta solidão acompanhada, fez parar o tempo para que viesses afagar-me. Esperei-te no negrume do silêncio noturno.
Timidamente, um ténue reflexo despontou da claridade evanescente e azulada da lua – o azul sempre fora a tua cor preferida. Tratava-se de um simples feixe pestanejante de luz, um débil remanso de claridade que desceu, serpenteando, pelo mar de prata que conseguia vislumbrar pela janela. Sabendo da tua obstinação em relação a mim, fechei os olhos. Então, uma lança de luz entrou no meu quarto, fazendo sombras reluzirem na penumbra. Multiplicaste-te em inúmeros raios de luar, criando um universo de luz e sombras, rodeaste a minha cama de cortinas nebulosas de claridade. Senti os teus dedos cálidos de luar, silhuetas em contraluz, mordendo-me a pele, alvoraçando-me o sangue, tateando-me a alma. Vesti-me de luar e, no quarto banhado de prata, fomos mais do que o universo. Provei o teu corpo num sonho, provei o teu gosto em silêncio como quem bebe o luar, num tempo preguiçoso que a nossa memória, casa desta saudade angustiante, prolongou. No céu, qual aranha diligente, a lua tecera uma tapeçaria de estrelas, numa salva de luz indizível. Todas as palavras não chegam para descrever o amor que correu à solta pelo quarto.
Esta noite fizeste-te luar e vieste afagar-me.
Cedi ao sono e sonhei-te assim.

Nota: O prazer que me deu “roubar” o título deste texto!

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